A história da “Águia e Falcão”, sobre o viver juntos, mas não amarrados

por Luiz Marques Marques

Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas, até a tenda do velho feiticeiro da tribo:

— Nós nos amamos, e vamos nos casar – disse o jovem. E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã… alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos… que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?

E o velho emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:

— Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada… 

Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte… e trazê-lo aqui  com vida, até o terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo – continuou o feiticeiro – deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais  brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva!

Os jovens abraçaram-se com ternura… e logo partiram para cumprir a missão recomendada.

No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco. O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos sacos, e viu que eram verdadeiramente formosos exemplares.

— E agora o que faremos? — perguntou o jovem — as matamos e depois bebemos a honra de seu sangue? Ou as cozinhamos e depois comemos o valor da sua carne? — propôs a jovem.

— Não! – disse o feiticeiro, apanhem as aves, e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro; quando as tiverem amarradas, soltem-nas, para que voem livres.

O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado, e soltaram os pássaros. 

A águia e o falcão, tentaram voar mas apenas conseguiram saltar pelo terreno… Minutos depois, irritadas pela incapacidade do voo, as aves arremessavam-se entre si, bicando-se até machucar… cada vez mais e mais raivosas e feridas…

E o velho feiticeiro olhou-os profundamente nos olhos, um depois do outro, sorriu e lhes disse:

— Jamais esqueçam o que estão vendo nas aves. Não tenho um feitiço, um conselho ou um talismã que lhes possa nada garantir… Vejam e aprendam com a observação das atitudes, são as atitudes que organizam como nos será a duração dos dias… 

Vocês são como a águia e o falcão… se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar um ao outro. Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados! 

Soltem agora as pobres aves. Vida longa, saúde e paz para vocês, meus filhos…

REFERÊNCIA:

MARQUES, Luiz Marques. Coletânea de histórias: para a consciência e o sucesso interno de cada pessoa. Paraná: Cianorte, 1994. p. 563-564.

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Essa história é das tradições mais antigas da humanidade, de ANTES da época da racionalidade retumbante e hegemônica… fala através de imagens ancestrais de um reconhecimento não do “gênero” e de suas especificidades, mas fala de um modo de ser de um casal complementar e oposto. Claro que majoritariamente podemos até associar ao gênero masculino e feminino, mas nossos ancestrais, aqui, foram além!! Para ajudar um jovem casal lembrou-lhes que pares de opostos complementares (como a aguia e o falção, o homem e a mulher, essa pessoa e aquela outra pessoa, etc…) precisam aprender a respeitar a distância benéfica, as diferenças de temperamento e gosto, precisam ACORDAR (que palavra linda!) acordar com antecedência para não ter de resolver convivências justo na hora que os conflitos gerados na mesma estão a pleno vapor!! Acordamos antes, entendemos antes, pensamos antes na integridade pessoal e na integridade do outro – tentando desfazer a comum tentativa da paixão de achar que o amor tudo mudará que eu não gosto no outro -; assim dois inteiros, complementares e diferentes acordam e comprometem-se no projeto de longo prazo de infinitas possibilidades de aprendizado: casamento.