“A arte de viver sozinho” um texto sobre partilhar a existência de Thich Nhat Hanh

por Thich Nhat Hanh

O presente mais precioso que podemos oferecer ao nosso amado é a nossa energia de compreensão e amor. Se não temos compreensão e amor dentro de nós, não temos nada a oferecer a outra pessoa ou ao mundo. Como podemos cultivar compreensão e amor? Podemos cultivá-lo quando estamos sozinhos. Estar sozinho não significa que você precisa se desligar da sociedade, ir para uma montanha e viver em uma caverna. Viver sozinho significa que você é sempre você mesmo – você não se perde. Você pode sentar-se no mercado e, ainda assim, ficar sozinho. Você é o chefe; você não é uma vítima.

Quando você pratica andar conscientemente, você se concentra em seus passos e em sua inspiração e expiração. Mesmo que esteja caminhando com duzentas ou trezentas pessoas, você ainda está sozinho. A plena atenção e a concentração estão em você, e cada respiração e cada passo o nutrem e enriquecem e trazem a energia da compreensão e do amor. Se você não é você mesmo, não pode amar e não pode oferecer nada. Ficar sozinho significa voltar para si mesmo, tornar-se seu mestre e não se deixar levar. A compreensão é a base do amor. Se você não consegue se compreender, não consegue se amar. Se você não consegue entender sua amada, não pode amá-la.

Suponha que você não entenda o sofrimento de sua amada, suas dificuldades ou suas aspirações mais profundas. Como você pode dizer que a ama e a compreende? Você tem que ser você mesmo, e então, quando olhar para ela, começará a entender. Se você não é você mesmo, como pode ouvir e ver profundamente? Quando existe compreensão, o amor é possível. O amor é a água que brota da fonte de compreensão. Um relacionamento só tem sentido quando cada pessoa é ela mesma. Se você e a outra pessoa estão vazios de compreensão, amor e beleza, vocês não têm nada a oferecer um ao outro.

Adoramos conversar; é um prazer. Mas se você não praticar a atenção plena, pode apenas se deixar levar pela conversa. Você não terá muito a oferecer, e a outra pessoa também não terá muito a oferecer. Quando há algo em você que é muito precioso, você pode oferecer e compartilhar. Falar é uma forma de se oferecer e se expressar. Mas se você tem apenas ideias vazias, isso não é um verdadeiro presente. Você pode ter opiniões sobre tudo, mas pode não ser o que a outra pessoa precisa. O que a outra pessoa precisa é de sua compreensão, seu amor e sua percepção – não como ideias, mas como uma realidade viva.

Quando você incorpora insight, compaixão e alegria, um relacionamento se torna significativo. Se você conhece a arte de viver sozinho – de saber ser você mesmo e cultivar a energia da paz, da compreensão e da compaixão a cada momento – seu relacionamento se aprofundará. Isso é muito simples. Quando você tiver cinco ou dez minutos livres, use-os para enriquecer, para se tornar mais sólido, mais livre, mais compreensivo e mais compassivo. Quando amamos alguém, alegria, compreensão e compaixão são as melhores ofertas que podemos fazer ao nosso amado. Se você deseja ter algo a oferecer, cultive-o estando sozinho.

Imagine uma árvore recebendo nutrição da terra, da água e dos minerais. Com tudo o que absorve, nutre os ramos e as folhas e cria flores. Uma árvore tem tantas coisas a oferecer ao mundo. Se perturbarmos as raízes da árvore, para que não entrem em contato com o solo, a árvore não obterá os nutrientes de que precisa para fazer flores e frutos. Cada um de nós é como uma árvore. Se não soubermos como ir para casa, para nós mesmos, para nos tornarmos totalmente presentes, para cultivar e praticar o olhar e a escuta profunda, então não poderemos receber os nutrientes de que precisamos e não teremos muito a oferecer à pessoa que amamos.

Nosso tempo juntos é muito precioso. Queremos ser um instrumento de paz para nós, para nossa família e para nossa sociedade. Mas se não formos sólidos o suficiente, embora possamos praticar em retiros, não podemos continuar a praticar em casa. Existem coisas que não podemos fazer sozinhos, mas que com uma comunidade, uma Sangha, se tornam fáceis. Sozinhos, tendemos a ser preguiçosos. Mesmo que saibamos como sentar, como ouvir o sino e como praticar uma caminhada consciente, não os praticamos, porque ninguém ao nosso redor os pratica. É por isso que a presença de uma comunidade cujos membros também estão praticando, é um grande incentivo e apoio.

(Traduzido do livro de Thich Nhat Hanh – “Peace Begins Here: Palestinians and Israelis Listening to Each Other” – Tradução Leonardo Dobbin)

REFERÊNCIA:

HANH, Thich Nhat. Peace begins here: palestinians and israelis listening to each other. Disponível em: http://sangavirtual.blogspot.com/2021/01/a-arte-de-viver-sozinho.html. Acesso em 4 fev. 2021.

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Precisamos ter a coragem de nos perguntarmos com ABSOLUTA HONESTIDADE quando estamos sofrendo por algum problema amoroso: nossa dor vem do outro, mesmo? vem de sua ausência? vem de sua distância? vem do desapontamento ou descrença que este outro ser provocou? Ou… ao invés disso… nossa dor pela nossa perda (seja ela da nossa comodidade, vaidade ou segurança) se relaciona com questões e dificuldades PARTICULARMENTE minhas? Esse tipo de sofrimento que estamos vivendo é a primeira vez que nos acontece? Ou será que há uma MESMA questão, nossa, completamente nossa, um medo, uma dificuldade, um vício ou algo que nunca resolvemos enfrentar… que está sempre a se manifestar na nossa vida e que agora apareceu na forma de uma desilusão amorosa? Dizemos convictos: não gosto de ser só!! Poderíamos nos perguntar: aprendemos e a estar bem conosco mesmo? Pensemos: quem de fato alcançou poder estar em paz consigo não tem a necessidade amorosa tão dependente e insegura que nos faça perder o tino de nossa própria vida e dar prosseguimento a ela mesmo que, momentaneamente sozinhos… ou momentaneamente abandonados por algo ou por alguém. Que tal fazer da dor do amor que nos abandonou uma oportunidade de reencontramos a nós mesmos? A hora de cuidar de si e de sua felicidade concreta, simples e pé no chão de uma existência rápida e transitória é justo: AGORA! Mãos a obra de se tornar boa companhia para si mesmo! Vai dar certo!!