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IMPERADORES E CRIANÇA: APRENDER A BRINCAR 

por Lorenz Marti

Um dia Akbar, o grande imperador hindu da dinastia Mogul, chamou seus nove sábios e ralhou com eles: 

– Vocês se dizem sábios, mas até hoje não aprendi nada com vocês. Para que vocês servem afinal?

Então um jovem que viera junto com os sábios começou a rir alto. Isso irritou o imperador:

–  Do que você está rindo? Não é assim que alguém deve se comportar na corte real.

O jovem respondeu:

– Estou rindo porque sei o motivo pelo qual os nove sábios não serviram para nada.

– Então me diga qual é! – vociferou o imperador.

O jovem pediu gentilmente ao imperador que descesse do trono e se sentasse no chão. 

O imperador olhou em volta irritado. Depois ele se levantou, desceu do trono e sentou-se no chão. Rapidamente o jovem subiu ao trono e disse para o imperador:

– Agora, faça suas perguntas como um discípulo, não como um senhor.

O imperador ficou confuso, mas de repente entendeu que não havia aprendido nada dos nove sábios porque não estava disposto a realmente ouvi-los. No seu trono ele era o senhor, acostumado a mandar, mas incapaz de ouvir. Só agora, no chão, ele se tornara o discípulo e estava disposto a aprender.

– Agora, pergunte como discípulo, não como imperador! – repetiu o jovem.

Akbar calou-se, tocou o pé do rapaz e disse baixinho:

–  Não há mais nada a perguntar. Só pelo fato de estar sentado aqui, aos seus pés, já me fez entender muita coisa.

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Uma história espantosa. Dificilmente alguém desce voluntariamente do seu trono, esse símbolo de poder e riqueza sucesso e prestígio. O imperador combateria com toda a sua força qualquer um que ameaçasse o seu trono. E é justamente uma criança risonha que consegue convencer a descer dele? O homem poderoso se senta aos pés de um jovem. Essa troca de posições modifica-o radicalmente. Ele é o grande, o poderoso, o dono de lodo conhecimento, mas um simples discípulo, lá embaixo, no chão. Agora ele abre os olhos. Vê tudo de uma nova maneira. Começa a entender.

Eu sou o imperador. E sou também a criança. Hoje, como adulto, foi o imperador que decidiu, mais do que a criança.

Às vezes sou quase só imperador, não mais a criança. Mas a criança está ali. Ela fala, grita, ela ri. Eu tento não ouvir. A mim, imperador, suas expressões parecem insensatas e irrealistas. Mas a criança não vai deixar isso passar. Até que eu desça do meu trono sustentado por convicções, julgamentos e preconceitos, e comece a escutá-la.

Mas como imperador eu também tento calar a criança, essa insistente desmancha-prazeres. Duas antigas histórias falam disso. Quando Moisés veio ao mundo, o titânico faraó mandou matar todos os bebês israelitas porque sentiu seu poder ameaçado. Moisés sobreviveu numa casinha de juncos no Rio Nilo, e foi salvo pela compaixão de uma princesa. Com ele começou então um novo capítulo na história dos israelitas. Ele libertou seu povo da escravidão egípcia e tomou-se o mais importante líder e legislador judeu. Mas o faraó, este caiu no esquecimento.

Um milénio depois foi novamente uma criança pequena que deixou um poderoso monarca assustado e amedrontado.

O Rei Herodes temia que o recém-nascido “Rei dos Judeus” pudesse ameaçar seu domínio. Por isso ele ordenou que fossem mortas todas as crianças do sexo masculino de até dois anos de idade, nascidas em Belém. José e Maria conseguiram levar o menino Jesus em segurança até o Egito. Na história, Herodes representa o papel nefasto de um assassino de crianças, mas com Jesus começa um novo tempo.

Imperador e criança: ambos convivem em mim. Disso surgem conflitos. O tempo todo tenho de decidir a quem quero seguir. Em caso de dúvida, prefiro ser o imperador. Mas com Akbar posso aprender a descer do trono de minha prepotência e redescobrir o mundo aos pés de uma criança.

REFERÊNCIA:

MARTI, Lorenz. Imperadores e criança. In: ______. Como um místico amarra os seus sapatos. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 39-41. 

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Neste pequeno capítulo deste pequeno livro genial, totalmente instigante, Marti discute a criança em nós todos, aquela parte nossa que consegue ensinar, modificar, incentivar, compreender e reverter a ignorância e a solidão de nosso (também muito nosso) imperador adulto. O ego corresponde em “psicologês” ao Imperador dessa história. Que corresponde, por sua vez, ao adulto. Que se relaciona diretamente aos aprendizados que fomos temos na vida de que ser firme, durão, produtivo, obcecado por sucesso e poder nos faz mais fortes para os outros… que corresponde a ser respeitado… que corresponde a ser temido e que no final pode até dar nisso tudo… mas a um preço muito alto… Se somos adultos/imperadores/egóicos e fortes o tempo todo… vamos perdendo a possibilidade de continuar aprendendo a nos divertir pelos caminhos da vida. Lembra que criança não vai a “escola” nos primeiros anos de vida e aprende a língua materna – inclusive concordância nominal e verbal – sem ter “estudado”? A linguagem é um baita aprendizado que exemplifica bem como criança é capaz de aprender! E aprender muito! E aprender coisas difíceis! Mas elas aprendem, no início, quando estão por conta própria, só ouvindo… prestando atenção… brincando no chão da sala… Estão se divertindo… estão abertas para o mundo e a velocidade de seu aprendizado jamais será novamente superado! Este texto nos relembra a sentar no chão e deixar nossa criança nos guiar nos momentos difíceis da vida!