Cartas de uma boneca viajante para menina que chora (ou sobre como um grande escritor descobre o sentido da escrita)

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PREFÁCIO DO LIVRO “KAFKA E A BONECA VIAJANTE”

por Jordi Sierra I Fabra

Os passeios pelo parque Steglitz eram um bálsamo. E as manhãs, tão doces…

 Casais precoces, casais parados no tempo, casais que ainda não sabiam que eram casais, velhos e velhas com mãos cheias de histórias e rugas cheias de passado procurando cantos de sol, soldados com galas de distinção, criadas de uniforme impecável, babás com meninos e meninas vestidos com esmero, casais com filhos recém-nascidos, casais com sonhos recém-destemidos, solteiros e solteiras de olhar esquivo, solteiros e solteiras de olhar insinuante, guardas, jardineiros, ambulantes… 

O parque Steglitz transpirava vida naquele início de verão. 

Um presente. 

E Franz Kafka a absorvia, como uma esponja, viajando com os olhos, atraindo energias com a alma, perseguindo sorrisos por entre as árvores. Era mais um entre tantos, solitário, com seus passos perdidos sob o manto da manhã. Sua mente voava livre de costas para o tempo, que ali se embalava com a languidez da calma e se balançava alegre no coração das pessoas. Que silêncio… 

Rompido apenas pelas brincadeiras das crianças, pelas vozes das mães chamando, insistindo, advertindo, pelas palavras tranquilas dos mais próximos e pouco mais. 

Que silêncio… 

O choro da menina, alto, convulso, repentino, fez Franz Kafka parar. 

Estava muito perto dele, a poucos passos, e não havia mais ninguém em volta. Não se tratava, portanto, de uma briga de criança, nem de um castigo de mãe, nem sequer de um acidente, pois não parecia que a menina tivesse levado um tombo.

Ela chorava em pé, desconsolada, tão angustiada que parecia trazer no rosto toda a dor e a aflição do mundo. Franz Kafka olhou para um lado e para o outro. 

Ninguém notava a menina. 

Estava sozinha. 

Não sabia o que fazer. As crianças eram um completo mistério, seres de alta periculosidade, um conjunto de risadas e lágrimas alternadas, nervos e energia à flor da pele, perguntas sem fim e exaustão absoluta.

Não por acaso, ele não tinha filhos.

Mas todo aquele sentimento…

REFERÊNCIA:

FABRA, Jordi Sierra I. Kafka e a boneca viajante. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 13-15.

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Este prefácio nos convida a leitura de todo esse livro espetacular, envolvente e terno!! Todo aquele sentimento fez Kafka parar, ouvir o coração e cuidar do sofrimento daquela criança… Este livro é um dos textos mais delicados que tive a oportunidade de ler na vida. É um presente para qualquer leitor: homem ou mulher, jovem ou mais velhos, que goste de viajar ou misógino, com filhos ou sem filhos, doente ou em perfeita saúde. O maior presente do texto é nos fazer imediatamente experimentar os sentimentos mais puros e simples do mundo: medo, saudade, solidão, angústia, esperança, alegria, contentamento, satisfação… em dez páginas e já não conseguimos distinguir… sou a criança ou o homem? Acredito que vai dar certo ou quero escrever uma carta. Imperdível. Presenteie-se!

Temos um vídeo sobre esses livro que está acessível na aba SERIES de VÍDEO, na Série Recomendações para Leitura.