Insônia: aspectos diferenciados para a insone do sexo feminino

A INSÔNIA NA MULHER

por Helena Hachul-De Campos

Definição de insônia

A insônia é um distúrbio de sono definido pela dificuldade em iniciar e/ou manter o sono e pela presença de sono não reparador, ou seja, insuficiente para uma boa qualidade de alerta e bem-estar físico e mental durante o dia, com consequente comprometimento no desempenho nas atividades diurnas. Esses sintomas têm que estar presentes por, pelo menos, três vezes na semana por, no mínimo, três meses (DSM-V, 2013)1.

Prevalência de insônia – causas

As queixas de insônia são mais comuns em mulheres do que em homens em todas as faixas etárias2. Durante a pré-menopausa, 30% das mulheres apresentam insônia e, após a menopausa, essa cifra dobra3. Além disso, nosso estudo anterior4 mostrou que mulheres com ciclo menstrual irregular apresentavam duas vezes mais chance de ter dificuldade para dormir.

De fato, na pré-menopausa diversos aspectos podem impactar na qualidade de sono na mulher: desde oscilações hormonais (fisiológicas) durante o ciclo menstrual a alterações hormonais decorrentes de problemas ginecoendocrinológicos, como ovários policísticos, hiperprolactinemia, entre outros.

Além disso, a mulher atualmente acumula funções: muitas vezes trabalha, estuda e cuida da casa. Nesse contexto, a mulher vive privada de sono. Paralelamente, no pouco tempo que tem disponível para dormir, ela pode apresentar um quadro de insônia por ficar ansiosa com suas responsabilidades do dia seguinte.

A insônia pode ser um sintoma de outras comorbidades, como ansiedade e depressão. O grande desafio da abordagem da mulher com insônia é entender o contexto biopsicossocial em que ela está inserida, uma vez que esse quadro pode estar relacionado aoutros fatores, como dores físicas, preocupações, alimentação inadequada, falta de exercício físico etc.

A população feminina tem vivido por mais tempo após a menopausa devido ao aumento da expectativa de vida da população nas últimas décadas (IBGE)5. Nesse sentido, a diminuição dos níveis de estrogênio pode contribuir para os aumentos dos sintomas depressivos e de ansiedade, da irritabilidade, do nervosismo, da baixa autoestima, dos fogachos e da insônia. Esta última afeta mais da metade das mulheres na pós-menopausa e ocorre de forma tão prevalente devido a: ondas de calor seguidas de sudorese, alterações de humor, mudança social (os filhos casam e, simultaneamente, a mulher está se aposentando, o que deixa a casa “vazia”)6.

Diagnóstico

O diagnóstico de insônia é clínico. A mulher deve sempre procurar atendimento médico e, havendo a necessidade, serão realizados exames complementares, entre eles a polissonografia (registro de sono durante uma noite inteira), para verificar se não há outros distúrbios de sono.

Tratamento

Para o tratamento da insônia, diversas intervenções têm sido propostas, tanto farmacológicas como não farmacológicas7.

No tratamento não farmacológico sugerimos sempre as dicas de higiene do sono:

  • Fazer a última refeição até as 20h00.
  • Evitar alimentos ricos em xantinas: chás-pretos, café, refrigerantes à base de cola.
  • Evitar atividade física depois das 18h00, mas fazer algum exercício físico ao longo do dia.
  • Reduzir a luz ambiente (ajuda o cérebro a secretar a melatonina, o hormônio do sono).
  • Fazer atividades agradáveis, como ouvir música e ler, mas fora do quarto de dormir.
  • Se possível, fazer um cochilo, mesmo que curto, durante o dia (20 minutos já ajudam bastante).
  • Estabelecer uma rotina: procurar dormir sempre no mesmo horário para o organismo se acostumar.
  • Retirar o relógio do quarto de dormir: checar as horas gera ansiedade, pois, a cada vez que percebe o quanto não dormiu, o indivíduo fica mais preocupado com o quanto gostaria de ter dormido.
  • Restringir o tempo que permanece na cama: evitar ficar na cama “esperando o sono chegar”; só deitar-se quando for dormir.

Existem tratamentos comportamentais e psicoterápicos. A orientação nutricional tanto para a perda de peso quanto para a escolha de alimentos que favoreçam o sono pode contribuir muito. A recomendação de atividade física e o envolvimento com ações de lazer também podem ser úteis. Outras terapias alternativas/ complementares, tais como fisioterapia, yoga, massagem, acupuntura, meditação, também podem trazer resultados satisfatórios.

Dentre as propostas farmacológicas:

1)       Na pós-menopausa: os usos de estrogênios (na ausência de contraindicação à utilização dos mesmos) e de fitoterápicos, como a isoflavona, têm se mostrado efetivos.

2)       No menacme e na pós-menopausa: o tratamento farmacológico é composto atualmente por antidepressivos, hipnóticos não benzodiazepínicos, benzodiazepínicos, valeriana, agonistas de melatonina, entre outros.

O zolpidem é o tratamento de escolha na insônia, agindo como agonista seletivo da subunidade 1 do GABA-A, o principal receptor responsável pela inibição da neurotransmissão do sistema nervoso central. É altamente prescrito em todo o mundo por sua efetividade, além de sua segurança ser considerada maior que a da classe de medicamentos benzodiazepínicos. O zolpidem melhora a qualidade de sono de pacientes com insônia crônica. A dose terapêutica é de 5 a 10 mg. Embora o emprego de indutores de sono seja recomendado no tratamento de insônia crônica por apenas um mês, estudos clínicos sugerem que o zolpidem se mantém efetivo e seguro em uso prolongado, sem o aparecimento de insônia-rebote ou tolerância e ausência de prejuízo psicomotor no dia seguinte.

CONCLUSÃO

A mulher deve ser avaliada como um todo, levando-se em consideração os aspectos físicos, psíquicos e sociais. Desequilíbrios nessas esferas podem levar à insônia. A abordagem multidisciplinar pode ajudar na escolha do tratamento mais indicado para cada caso.

 

Referências:

  1. American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders – DSM-5. 5th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2013.
  2. Zhang B, Wing YK. Sex differences in insomnia: a metaanalysis. Sleep. 2006;29(1):85–93.
  3. Campos HH, Bittencourt LRA, Haidar MA, Tufik S, Baracat EC. Prevalência de distúrbios do sono na pós-menopausa. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(12):731-6.
  4. Hachul H, Andersen ML, Bittencourt LR, Santos-Silva R, Conway SG, Tufik S. Does the reproductive cycle influence sleep patterns in women with sleep complaints? Climacteric. 2010 Dec;13(6):594-603.
  5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Tábua Completa de Mortalidade 2012. Brasília: IBGE; 2012. Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/home/ estatistica/populacao/tabuadevida/2013/defaulttab_pdf. shtm. Acesso em: março de 2019.
  6. Hachul H, Brandão LDC, Bittencourt LRA, D’Almeida V, Andersen ML, Baracat EC, et al. Clinical profile of menopausal insomniac women referred to sleep laboratory. Acta Obstet Gynecol Scand. 2009;88(4):422-7.
  7. Attarian H, Hachul H, Guttuso T, Phillips B. Treatment of chronic insomnia disorder in menopause: evaluation of literature. Menopause. 2015 Jun;22(6):674-84.

a autora:

Médica responsável pelo Setor do Sono na Mulher da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Doutorado em Ginecologia – Pós-doutorado em Medicina do SonoUniversidade Federal de São Paulo. Profª. da disciplina Saúde da Mulher na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Profª. assistente do Setor de Ginecoendocrinologia do Serviço de Saúde da Mulher do Hospital Santa Marcelina.

HACHUL-DE CAMPOS, Helena. A insônia na mulher. Med Int Méx. 2020;36(Supl. 1):S3-S5. http://doi.org/10.24245/mim. v36id.3772

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REFERÊNCIA:

HACHUL-DE CAMPOS, Helena. A insônia na mulher. Medicina Interna de México, 2020, v. 36 (Supl. 1), p. 3-5.