Caminho do coração

por Mark Nepo

 

 

 

 

Não importa se há escuridão, a mão sempre encontra o caminho para a boca.

Provérbio dos Idomas, povo da Nigeria

Mesmo quando não podemos ver,

sabemos como nos alimentar.

Mesmo quando o caminho não está iluminado,

o coração ainda bate.

Mesmo amedrontado,

o ar entra e sai aos pulmões.

Mesmo quando as nuvens ficam densas,

o sol ainda espalha sua luz sobre a Terra.

Esse provérbio africano nos lembra que as coisas nunca são inteiramente ruins,

como parecem.

Temos reflexos interiores que nos mantêm vivos,

impulsos profundos para sobreviver que operam mesmo sob as privações que enfrentamos.

Devemos nos lembrar: a mão não pode suprimir a escuridão,

mas pode encontrar o caminho para a boca.

Do mesmo modo nossa CRENÇA NA VIDA não pode suprimir o sofrimento,

mas pode encontrar o caminho para alimentar o coração.

 

 

 

REFERÊNCIA:

NEPO, Mark. O livro do despertar. São Paulo: Editora Gente, 2006. p. 30

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

E me pergunto por que seria a CRENÇA na Vida, na Sabedoria por “baixo” das coisas, a confiança num Deus que não alcançamos em sua imensidão que poderia ser o CAMINHO PARA O CORAÇÃO que se orienta de um modo diferente de nossa insegurança, insatisfação ou sofrimento?

Por que, no fundo, é possível conectar uma certa espécie de “esperança” e “alento” que SEMPRE esteve lá… que não diz respeito ao mérito e nem desfaz o sofrimento… não diretamente… mas o coloca numa outra perspectiva e modo?

Inseguros, insatisfeitos e sofridos… mesmo assim, exatamente ali, naquela situação, quando nos entregamos a essa confiança que ali há um caminho a ser trilhado… algo que “sabemos” de default de alguma forma é “acordado”. Não vem como linguagem falada ou escrita. Isso aparece como experiência… por isso explicar o “porque” acontece é tão difícil quanto deixa inalterado o fato de que isso “é”. Se vemos o Caminho, ali onde ele existe, então o tempo passa sem deixar tantas marcas, mais suavemente. A dor dói, mas não dilacera. O olho lacrimeja… mas algo resiste… é o que o texto chama de coração!

Mais e mais fundo… para além de toda nossa condição humana (carência e necessidades) há uma silenciosa “razão-que-não-é-racional-ou-racionalizável”… Está no coração que bate, nas manhãs depois de longos temporais, no acolhimento de um abraço, nos cânticos religiosos, na fé-que-se-sabe-ter, na fé-que-não-se-reconhece-como-“fé”, no alívio de um suspiro, nos pés que caminham sem que o dono se lembre conscientemente de dobrar os joelhos… mas, o corpo caminha… e sofrimentos passam… se configuram como agentes de uma consciência de “viemos aqui sentir as coisas, humanizar os elementos da Terra de que fomos formados e nutridos”. Viver é uma aventura amorosa, passagem apertada e estreita em um mundo material ressequido… Mas… algo se lembra disso em nós… e a dor dói… e passa… e passamos nós pela experiência de senti-la na dignidade de sermos humanos, tão somente humanos, humanos demais para a perfeição que aspiramos ser e viver…

Há dimensões de um “mistério” que é o Caminho do Coração.

Não há como negar a realidade da dor e do sofrimento, mas há como SENTIR através deste caminho um apontamento… um dedo que aponta para uma lua… uma cruz de madeira fincada num chão que aponta para um céu… uma esperança da semente pequeníssima, desafiando a gravidade de um planeta inteiro, infiltrando uma a uma sua raiz na terra apertada, para que desde sua primeira folhinha, a grande árvore aponte para o alto e ganhe o espaço livre… Há imagens que dizem o que as palavras empobrecem… mas também apontam, de alguma forma. A razão, a lógica e a linguagem intimidam-se diante do que não “esquadrinham”. As teologias “teorizam” sobre as hierofanias. Mas, é na intimidade da verdade de sua própria dor que qualquer um pode refazer esse “percurso”, esse Caminho do Coração. A inegável dor, a estonteante dor, a nossa dor anseia por colo, por luz, por paz, por sentido, por encontro… por alegria. Este é o Caminho do Coração.

Não é necessário desdizer nossas incoerências e desejos humanos… não é preciso negar nossas insatisfações e atropelos… Mas, se pode ir além e através. Observar que há coisas que “permanecemos sabendo”, como engolir, como piscar, como bocejar, prosseguir sossegadamente… Há. Prossiga e deixe-se envolver por essa “confiança” que veio do silêncio!

Caminhe o caminho do coração. Sinta e sinta. Silencie, profundamente, e ouça o silêncio.

Hoje eu o ouvi dizendo:

Vai Passar E Você Sairá Disso Maior, Melhor E Mais Forte.

Nilcy Garcia, minha terapeuta linda e amada, para sempre.