Carta da virtude: coragem

Vila Velha, dezembro de 2022.

Prezado Ser, abençoada seja tua Luz interior,

preservada e sã, dentro de ti 🙏🏻!

Ponho-me aqui a escrever-te uma carta, como fazem os que querem

dizer alguma coisa importante… lembrar algo através de palavras… permitir que uma mensagem tome corpo… ou, simplesmente,

mandar notícias…

Como sabes, sou a Virtude CORAGEM e ando sempre escondida

nos teus gestos de Justiça e Bondade, ainda que estes teus gestos fiquem invisíveis a muitos.

Particularmente, sou uma virtude que requer discernimento para ser vista.

Na bravata dos “fortes”, por exemplo, não confies, não há ali virtude! Bravata não passa de arrogância e ostentação. Brigões, estouvados, imprevidentes e incautos com a vulnerabilidade própria da vida não possuem a Virtude da CORAGEM. Há os que creem que cruéis, fanáticos e malvados  – quando corajosos ­–, são ainda piores. Certamente quanto mais covardes, menos mal fazem; mas nestas atitudes não há CORAGEM virtuosa, só desfaçatez e sandice.

A CORAGEM

é virtuosa quando

aceita um

risco pessoal,

quando ultrapassa algum interesse egoísta individual, quando serve a um propósito elevado que requer ação destemida.

Os heróis sim, estes são corajosos.

E a virtude do heroico é a colocação da força a serviço de um bem

ou um ideal mais elevado que a segurança do próprio herói.

Há o heroísmo excepcional do transeunte que pula numa enxurrada para salvar um animalzinho se afogando, sem pensar primeiro em si mesmo. Há o heroísmo da decência, da denúncia, do rompimento com o iníquo ainda que às custas da própria segurança. Há o heroísmo de um arrependimento confesso. Mas há ainda a heroica CORAGEM diária e rotineira de dedicar-se a lentamente e sem subterfúgios ilegítimos à construção de longo curso: como as dos que se dedicam a uma maestria, a uma carreira, a uma conquista árdua ou demorada, a um tratamento sem certezas definitivas…

Há a suprema CORAGEM de tentar de novo, depois de ter fracassado.

Há ainda as coragens mais conhecidas: da ação generosa, do altruísmo humanitário, da defesa a verdade, dos ideais éticos e dos princípios de convivência mesmo sob risco de retaliação por parte dos interesses contrários à correção destes gestos.

Nestas lutas glórias ou inglórias minha presença pode ser revelada se a luta tem propósito honrado e o empenho faz sentido para além de um interesse pessoal.

Como imortalizou Twain “CORAGEM não é a ausência do medo,

é a resistência ao medo e o seu domínio”.

O medo dos covardes é sempre perder o conforto.

O medo dos covardes é perder a segurança.

O medo dos covardes é que o esforço pessoal

não seja recompensado o suficiente… E sucumbem a esses medos…

O medo dos corajosos é que os justos sejam punidos,

que os bons sejam impedidos,

que o trabalho seja destruído,

que a vida humana seja banalizada,

que a beleza possa ser perdida

ou que fragilizados e enfraquecidos

percam a chance de se recuperar…

então os corajosos vencem esses medos.

Por isso venho te dizer: recorda!! Bem dentro de ti sempre tiveste CORAGEM e CORAGEM de sobra, desde pequena criança! Recorda teus medos que recordarás tua CORAGEM!! Mas se achares embaçada tuas vistas, teu coração, tuas asas e teu melhor discernimento… me chama!! Olha para o alto, inspira fundo, marcha!

Às vezes um grito de basta é corajoso.

Às vezes um silêncio

é uma corajosa prece transformadora.

Às vezes um ato arriscado em nome

da sustentação da própria Vida ou da de outrem

é pura CORAGEM.

Às vezes perder uma quantia

para preservar uma qualidade é CORAGEM imensa.

Às vezes labutar sol a sol na disciplina

e investir nas férias e no descanso

requer a tremenda CORAGEM de se saber humano.

Aliás, heroicamente humano:

limitado e ilimitável, ansioso por céu,

propósito, transcendência de beleza

e imanência do

sentido de viver: a Vida.

Sim, a Vida é sempre muito e atrevidamente corajosa!

Por isso te escrevo! Para sacudir-te a Vida que pulsa corajosa no teu sangue e nos teus mais altos pensamentos!

Para sacudir essa Vida que pulsa abaixo de teus medos…

enfrenta a todos!!

Vence todos os teus medos e descobre tua ferramenta mais privilegiada: a de escolher tuas lutas!

Quem cala por prudência,

pode estar agindo virtuosamente.

Mas quem esbraveja às vezes o faz de forma igualmente virtuosa.

Quem consegue pacificar ao invés de guerrear,

age virtuosamente.

Quem silencia para evitar mais mal,

age virtuosamente.

Eu, tua virtude da CORAGEM, é que te aponto a correta luta:

aquela que começa por não fazer ao outro o que não querias que fosse feito a ti… e continua fazendo pelo outro e por ti mesmo aquilo que deve ser feito na ampla defesa de uma Vida de menor sofrimento possível,

e também a mais plena e potente possível!

“Foi o que Jankélévitch bem viu:

a CORAGEM não é um saber, mas uma decisão,

não é uma opinião, mas um ato. […]

a CORAGEM nada mais é que a vontade mais determinada

e, diante do perigo ou do sofrimento,

a CORAGEM é mais necessária.

Toda razão é universal; toda CORAGEM, singular.

Toda razão é anônima; toda CORAGEM, pessoal.

É por isso, aliás, que é preciso CORAGEM para pensar,

às vezes, como é preciso para sofrer ou lutar,

porque ninguém pode pensar em nosso lugar

– nem sofrer em nosso lugar, nem lutar em nosso lugar -,

e porque a razão não basta,

porque a verdade não basta,

porque é necessário ainda superar em si tudo o que estremece

ou resiste, tudo o que preferiria uma ilusão tranquilizadora

ou uma mentira confortável.

[…] CORAGEM para durar e aguentar,

CORAGEM para viver e para morrer,

CORAGEM para suportar, para combater, para enfrentar,

para resistir, para perseverar…

Trata-se sempre de perseverar em seu ser […]

e toda CORAGEM é feita de vontade.”

(Comte-Sponville, “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, p. 59-60)

Te desejando Vida e Vida em abundância,

despeço-me de ti, na certeza que

sabes qual é teu maior medo e

dele nascerá tua maior

CORAGEM, tua melhor vontade!

Assina,

                                                                                CORAGEM, a Virtude.

Texto de Kathy Marcondes para o Podcast “Texto Certo na Hora Certa”

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