Carta da virtude: Paciência

Vila Velha, dezembro de 2022.

Prezado Ser, abençoada seja tua Luz interior, preservada e sã,

dentro de ti 🙏🏻 ! Ponho-me aqui a escrever-te uma carta, como fazem os que querem dizer alguma coisa importante… lembrar algo através de palavras… permitir que uma mensagem tome corpo… ou,

simplesmente, mandar notícias…

Como sabes, sou a Virtude Paciência e me buscas, geralmente, após me “perderes”… Ficas então com a impressão errônea de que

sou difícil de manter, custosa e excêntrica.

Venho, ao contrário, dizer-te… que talvez me “percas”

justo por pensares assim… e isso pode ser mudado!

O que acreditas “difícil” não é, verdadeiramente,

ter ou usar a Paciência, pois enquanto virtude

Paciência é natural, amiga das coisas sábias.

Uma mãe espera um filho, uma árvore produz pacientemente um fruto, um rio chega ao mar e as estações do ano se transformam…

todas pacientemente. Há, pois, creia, algo muito natural em ti como em todas as coisas naturais. Há em ti algo que reconhece, preserva e armazena Paciência naturalmente; esta tua

faculdade tem a força da natureza,

isso não é pouco! Logo, a natureza não me fez

custosa ou excêntrica.

Enganavas-te ao pensar assim!

Sou e estou em ti mesmo, acessível e simples,

sou natural – se estiveres bem e souberes teu

propósito neste vasto mundo de tantos enredos!

O que achas “difícil” na Paciência não se relaciona com o que sou nem com falta de Paciência. Examina com honestidade e compreenderás.

Quando desejas ardentemente conquistar, impedir, favorecer, apressar, esbravejar, discordar, fazer ou refazer, enfim… quando te atiras obstinadamente ao encontro da realização de tua vontade e tentas regrar com tua regra, produzir isso ou eliminar aquilo conforme julgues conveniente ou apropriado… é aí, quando tuas obstinações não se cumprem, que então dizes: “perdi a paciência”. Como efeito quase imediato és um “destituído” de algo que deverias, podias, querias, merecias… mas desafortunadamente… perdeste!

Falso! Digo eu, isso é falso!

Quando te falta predicados… dizes que te falta Paciência!

Quando te atrapalham as tuas satisfações tardam ou são

interditas dizes, então,

que te falta Paciência.  Apenas dizes o que crês.

Revê essa tua crença e alcançarás temperança, calma, paz e determinação numa medida que nem imaginas de tão extensa!

Escuta: se o transporte atrasa, se o que compras quebra, se alguém te atrapalha os planos, se a fila não anda, se te exigem além, se crianças fazem pirraça, se velhos não escutam bem, se o remédio goteja, se a preleção está chata, se a hora não passa, se o balconista é lento, se te dizem impropérios… se… se… se… teus quereres são contrafeitos

de N formas… observa como te atiras a autopiedade considerando que tais situações não deveriam ser como são e transbordas irritação e/ou ignorância. Isso não é perder uma virtude. Isso é exercer algumas de tuas formas próprias de reclamar, dizer-te injustiçado ou desistir de continuares atento e firme, calmo e lúcido, educado e resiliente frente a realidade das coisas – realidade essa regida por undecilhão de fatores imponderáveis por ti ou por qualquer vivente.

A vida é complexa! Paciência!!

Se o trabalho demora para terminar, se suportar a lentidão alheia lhe prejudica interesses e deveres teus, se a educação e o comprometimento da outra pessoa é aquém da esperada ou devida, se a labuta árdua te atingiu a ponto de esgotar-te, se por muito tempo suportaste algo que era injusto… se… se… se… o que mereces não se realiza por N fatores… observa como tua agressividade contida ou incontida acaba por encontrar na tua antecipação mental, ansiosa ou insolente, um jeito de evitares o enfrentamento mais duro: o que te diz que tua vida exige teu autoaperfeiçoamento justamente frente as dificuldades que ainda ignoras como superar. Aquilo que dominas nem entrará em tua lista do que faria perder a tua Paciência. Esses momentos de tua suposta falta de paciência são, na verdade, momentos em que descobres onde tens de avançar na tua compreensão da Vida.

Sim ela é imperfeita… e perfectível! Paciência!!

Em todas as situações em que crês que perdeste a paciência

de fato nada de teu foi perdido. Algo de teu foi exercido, diferente de Paciência. Muitas vezes com altíssimos custos para tua saúde corporal e paz interior.

O Universo não “conspira contra”. O Universo conspira a favor de que possas descobrir tudo que podes, tudo que é teu. A Paciência não se “perde”. Em outro momento de vida podes passar pelo mesmo onde “perdias” a Paciência e – como não a perdeu, de fato – podes então escolher exercitá-la enquadrando os fatos diferentemente… apreendendo da vida o fluxo… interminável de transformação e ritmos.

Tua vida oferece-te a oportunidade de observar

esse fluxo incessante – inclusive o teu!

Tua consciência cresceu de dentro

para fora… observando e sentindo as

coisas lá onde estavam… e as foi estocando e classificando aí dentro, onde pensas estar. Aprendeste a nomear muitas coisas. Sobretudo aprendeste a desejar. E queres chegar, comprar, alcançar, acelerar, entregar, não perder, correr, vencer… e encantado que ficas com esse teu estar num tempo onde saltas de um desejo a outro, de uma expectativa do mundo a outra… vais minando a autoconsciência mais profunda que te diria:

–  Não! Nunca perdeste ou perderá tua Paciência!!

Sempre que focares no mundo interior e profundo

ela te aparecerá a alcance de uma respiração consciente!! Basta uma!! Se for consciente!

Basta uma respiração e eu te mostrarei como

vivo enraizada no teu sorriso calmo, no teu olhar plácido cheio de espanto pela beleza a tua volta!

Calma! Admira! Contempla! Respira! Vive!

Há na tua natureza, digo-te isso segura, Paciência imorredoura, paz infinita, tua natureza última não quebra, não verga, não cansa, não enferruja, não treme nem de raiva nem de medo… Se a consciência que te guia os dias não te permite essa observação direta – pois que é uma consciência sensorial e corpórea por excelência – essa tua mesma limitada consciência te permite vislumbres e por eles podes seguir, passo a passo, ampliando a consciência de ti mesmo… e é lá que resido. É de lá que te escrevo agora!

Avança!

Há outros atributos, dezenas de virtudes e mananciais

de forças repousando no interior inexpugnável de teu coração! Lembras quando destes tua última gargalhada,

ou daquele dia em que fizeste um contato interior

com o Ser Divino? Lembras da última vez que a cor da tarde te pareceu um escândalo de linda?

Lembras quando brincavas feito criança ou

quando dançavas embaixo do chuveiro? Lembras quando adormeceste sem hora para acordar

e acordaste surpreso de um sonho claro?

Nestes vislumbres de tua natureza profunda estavas pacientemente observando tua vida como

um fluxo de acontecimentos

convocando-te a Presença. Apenas isso.

Sou, dentre as Virtudes, a que mais

tranquilamente te pode provar o que disse.

Acalma e me acompanha que te provo. Tenta não argumentar com tua débil razão inquieta e aflita. Acalma e me acompanha! Fecha teus olhos um instante. Agora! Observa de imediato como há mais infinito por dentro de ti se te distrai menos vendo as luzes e cores. De olhinhos fechados, leva tua poderosa atenção a respiração que atravessa ritmada teu corpo. Não te distraias! Se o pensamento vier… firma ainda mais a atenção no vento que entra e sai de ti sabendo fazer isso sem teu esforço… e então, se vier novo pensamento, distração… volta ao teu vento… e então, se vier novo distração… volta ao teu vento… atenção… e então, se vier novo pensamento, distração… volta ao teu vento… deixa tudo que vem… ir… Acalma. A Paciência é tua, é sempre tua. Inspira calmamente, expira pacientemente. Observa!

Paciência não é algo que se perde. A Paciência é tua… ela respira em você… mesmo que silenciosamente…

Viste o tamanho de tua Vida interior? Ouviste que sabes muitas coisas no teu bendito silêncio e que ali, no silêncio interior, te fortaleces para o bem, te fortaleces para agir, para esperar, falar ou conter corretamente? Sentiste que em ti repousa tua concessão para que estejas pacientemente vivo… atento… decidindo… observando… aprendendo com tudo… calma e lucidamente…?

Sim, antes querias tanto passar a frente…

estar certo… progredir… que foste convencido

de que perdias algo que é teu por natureza quando não logravas conseguir o que querias!

A complexidade do mundo te é apresentada justamente

para que tua Paciência mais ínfima e íntima

te permita fazer tua passagem por aqui manejando a gentileza essencial de tua natureza interior,

essa gentileza contigo que pode se estender para o mundo! Eu estarei visível na tua gentileza contigo e com o mundo!

Tua Vida foi preparada pacientemente por todo um complexo Universo que a ti assiste. Assista-o tu também! Começa pela Paciência com tua respiração… com teus pensamentos… ensaia encher-lhes de tua Paciência! Acredita… procure-a em ti… saibas que abundam em ti todos os recursos dos quais foste feito, inclusive de muita, mas muita Paciência… com que a Vida evoluiu até aqui e agora! A obra singular de tua vida requer – principalmente – que te acredites inteiramente natural… e naturalmente dotado de Paciência para recomeçar… treinar… perceber a profundidade de teus dons e bens… e, pacientemente, desenvolvê-los justo quando pensavas que os perdeste… Teus dons: não os perdes! Eles te esperam, pacientemente!

Assina,

Paciência, a Virtude tua.

Texto de Kathy Marcondes para o Podcast “Texto Certo na Hora Certa”