Priorizar a si mesmo

DEPOIS DO NATAL… DEPOIS DO ANO NOVO…

DEPOIS DO VERÃO…

O QUE AINDA VAMOS ESPERAR QUE ACONTEÇA?

por Kathy Amorim Marcondes

Muitas vezes não há um “prestador de serviço” mais enrolado do que nós mesmos! Parecemos muito com aqueles de quem reclamamos por estarem sempre dando um jeitinho de atrasar a entrega do produto ou do trabalho. “Eles” têm sempre uma desculpa pronta, um motivo, uma justificativa… e nós também, especialmente quando temos de prestar um serviço para nós mesmos: aqueles que mais ninguém vai poder fazer por nós mesmos, aqueles que ninguém vai aplaudir ou aproveitar… porque servirão “apenas” para nosso bem estar.

Vamos nomear sem subterfúgios: adiamos certas coisas que dependem exclusivamente de nossa determinação e coragem. Curioso é que sejam coisas que dizem respeito a nossa própria dedicação para conosco! Falo aqui aos que não são do tipo “enrolados” ou “indisciplinados”. Ao contrário!!! Falo de nós: os certinhos!! Comprometidos no topo, sempre no prazo, sempre fazendo “sacrifícios” pessoais inenarráveis para não deixar a “peteca cair”, para “entregar no prazo”, para “não atrasar” a vida do outro, para não “comprometer” o andamento coletivo…

Tentamos não enrolar a vida do patrão, do cliente ou de nossos entes queridos, mas freqüentemente enrolamos a nossa própria vida. Aquela nossa dieta ou caminhada, aquela conversa séria, aquele pedido de desculpas, aquele fim de semana especial ou qualquer outra coisa que já tenhamos decidido fazer, mas que implicasse em alguma contradição interna… ah… esses serão os nossos projetos que estarão, quase sempre, sendo adiados. Se implicassem no prejuízo alheio… teríamos dado e daremos um jeito… Mas se cair na categoria: será que isso deve ser feito no tempo e na energia em que eu poderia estar dedicando a algo que tenho de entregar para o outro e para a vida? Pronto! A vida alheia e nosso compromisso em não “decepcionar” (mesmo que não saibamos exatamente a quem… o a quê) sempre fica ANTES de nossas prioridades pessoais que envolvam nos colocar em posição de conflito, de lutar por alguma justiça ou lembrança que teríamos ter tido…

O que nos é imposto e tem prazo nos limita a simplesmente ter de cumprir. Podemos não gostar, mas não há contradição propriamente dita. Temos de fazer e ponto. Fazemos. Mal ou bem, fazemos. E para os outros, quase que unanimemente, fazemos muito bem feito… mas, nós, sempre achamos (lá no fundo) que podíamos ter feito melhor ainda…

Mas se não há prazos ou juízes porque o que deve ser feito vem de nossa decisão individual e solitária, aí… nos damos o direito de “relaxar”… Deixamos para depois do Natal, do Carnaval, ou depois disto ou daquilo… quando nos damos conta… lá se foi mais um ano de oportunidades… Se envolve algum risco de entrarmos num confronto com os momentos ou pessoas que nos dão alguma paz na vida… aí é que no fundo adiamos com vontade mesmo… afinal… quem perde é “apenas” nós mesmos… nossa imagem e relações ficaram preservadas.

Será que neste exato momento poderíamos fazer uma pequena lista de nossos adiamentos? Claro… todos eles são adiamentos “justificados”. Estou pensando só se existe a lista… Experimente fazê-la.

Tudo bem, tudo bem… é claro que você tem seus bons motivos. Não precisa se explicar… apenas faça uma lista de coisas que você adiou “entregar” para si mesmo.

Estou fazendo…

Pronto… Caramba…

O que acontece na prática cotidiana de nossos dias, nossas listas de feitos e nossa lista de adiamentos para conosco… essa PRÁTICA, essa vida assim vivida, pode não ser a coisa mais bonita nem a mais favorável a nosso respeito, mas é, literalmente, a mais honesta.

SOMOS o que FAZEMOS de nossa vida.

Um grande sábio chinês, Lao-Tsé, tinha um jeito simples de dizer isso: “Ser é fazer”. Em poucas palavras nos lembra que somos aquilo que fazemos. O resto é o discurso do que somos… as qualidades e defeitos que admitimos para nós e para os outros. Mas o que SOMOS mesmo… é o que fazemos. Nada é mais transparente quanto os valores de uma pessoa quanto a forma como ela emprega a sua vida, o seu tempo. O que fazemos e o que deixamos de fazer DIZEM a verdade da colocação de PRIORIDADE real e verdadeira que damos ao que pensamos, desejamos, vivemos e acreditamos ser. Se adiamos nossas coisas importantes isso fala de um certo LUGAR concreto onde estamos colocando o nosso próprio valor dentro de nossa escala de prioridades.

Nossas listas adiadas de coisas por fazer por nós mesmos, retrata nossa indecisão frente a nossos desafios particulares. Algo diz: faça (isso é item da lista “a fazer por mim”) e algo diz: depois (a prioridade de valor está em outra coisa ou pessoa, em relação ao valor que isso tem para nós mesmos).

As contradições em nossos sentimentos são habituais, diríamos que são “humanas”. Humanos são contraditórios, as máquinas são lógicas, programáveis, previsíveis. Gente não. Gente é bem contraditório! Toda gente. Nossas decisões pessoais em geral carregam um pouco de nossas contradições.

“Iniciar uma reeducação alimentar”, por exemplo, implica em fazer e deixar de fazer muitas coisas; logo há uma carga decisória onde pesa os benefícios da dieta (faça) e outra em que pesa todo o enorme novo trabalho que vai dar fazer as compras, escolher melhor, preparar melhor nossos alimentos… Nessa contradição “devo” e “será que consigo mesmo mudar tanto?” vamos desmobilizando a ação que nos faria PRIORIZAR nossos valores de cuidado conosco!

A gente até acredita que deve comer bem. Mas isto está em contradição interna em relação a outros valores. Na confusão misturada de tudo que somos… SOMOS (PORQUE FAZEMOS) mais o vínculo de estarmos disponíveis para executar ações de trabalho e descanso (para voltar a trabalhar) que os novos hábitos saudáveis de organizar nossa alimentação enriquecida de consciência e boas práticas. Perdemos a saúde e a alegria de comer bem e melhor. Ganha o/a menino/a bem comportado/a no porta-retrato do patrão, da escola, do banco, do marido, da esposa, de papai ou de mamãe e, às vezes, no porta-retrato de nossas convicções pessoais.

Contradições internas. Adiamentos. Atrasos.

Se exploramos nossas contradições, das mais simples às mais complexas de nossas vidas (nosso desejo de perdoar e nosso orgulho ferido a rugir, nossa conversa com o filho que está chegando tarde e nossa culpa de nem sempre estar em casa quando ele chega, nosso pedido ao companheiro de mais atenção para a intimidade do casal e nosso medo de ter de ouvir sobre o tédio da relação, etc…etc…) poderemos, talvez, enriquecer muito nossa compreensão de nós mesmos e de nossos adiamentos intermináveis.

Toda energia se movimenta de uma polaridade para outra, no mundo das coisas. Tudo o que se move o faz entre desníveis ou desequilíbrios, que tendem a um novo equilíbrio, que logo estará em desequilíbrio novamente, e assim sucessivamente, a energia movimenta-se.

Nossas contradições falam de nossas polaridades: extremos por onde podemos fluir. Explorar nossas contradições nos leva aos nossos limites máximos. Se sabemos onde estão os limites máximos finalmente sabemos também onde é, de fato, a metade do caminho ou o “caminho do meio”, aquele bom tom, aquela providência mais harmônica entre o que somos, o podemos e o que queremos ser.

Escolhendo fazer… nos tornamos. Repetindo… nos aperfeiçoamos…

Meu pai, o Sr. Celso, querido, dizia: “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje.” Confirmei isto muitas vezes na vida. Porém, reescrevi uma dúzia de vezes, pelo menos o que era “deixar”, o que era “amanhã”, o que era “poder fazer”. O som da voz de um pai é um som muito especial. Vale ser revisto, refletido, ampliado dentro de nós… Adequado também. Mas som de nossa própria voz ao dizer “farei isso por mim” honra tudo de bom que nossos pais nos quiseram transmitir. Adequadamente.

Decida-se por fazer o que for melhor, neste momento, o melhor possível.

Escrevi para você porque eu tenho de fazer isso amanhã. Por mim. Me ajuda? Vamos fazer juntos? Vamos construir um ambiente mais favorável a nós mesmos dentro de nós mesmos e – nisso – nesse movimento libertar todos a nossa volta desse nível de exigência que temos conosco e que aumenta sempre a régua dos outros acerca de nós mesmos?

Falar já falamos. Saber que devemos mudar para melhor, já sabemos. O segredo é fazer o sabido. A melhor pessoa de quem você melhor veio cuidar no mundo: você mesmo, precisa disso. E você e eu podemos nos ajudar mutuamente. Vamos fazer!!!

Para terminar uma outra citação oriental, a que resolvi imprimir no primeiro cartão de visitas profissional que fiz… há 35 anos atrás… e que ainda tento honrar:

“O certo é simples.

O simples é certo.

Se não for certo, não é simples.

Se não for simples, não é certo.”

É de Budha. Mas, é nosso também. Faça sua lista de prioridades adiadas por você para você mesmo.

Feliz Ano Ativo.

REFERÊNCIA:

MARCONDES, Kathy Amorim. Priorizar a si mesmo. Disponível em: https://kathymarcondes.com.br/psi/ideia/textos-para-fim-de-ano/priorizar-a-si-mesmo/. Acesso em: …