O iceberg e a gota d’gua: transformações naturais

A  HISTÓRIA  DO  ICEBERG

por José L. Tejon

Um gigantesco iceberg desprendeu-se das geleiras e flutuava pelo oceano.

Orgulhoso e totalmente centrado, ele não acreditava que nada ao seu redor pudesse superá-lo. Sentia-se eterno e vivia cada dia como se nada mais fosse do que uma eternidade. A finitude não era uma experiência imaginável para ele, mas apenas para o resto do mundo.

O iceberg não percebia, pois era muito grande, mas começava a derreter muito lentamente. Não prestava atenção na realidade externa, no entorno. Mal percebia os pássaros que faziam seu ninho nele. Nem sequer reparava nos pinguins, focas e outros animais que moravam em sua imensidão. Observava, sim, os navios que se aproximavam e pareciam cascas de noz perto dele. 

Ficava cheio de si ao vê-los se afastar para longe de sua magnitude.

Conforme o imenso iceberg se afastava do polo, a temperatura da água aumentava. Ele nada notava até que um dia, ao pôr-do-sol, olhou para sua sombra e viu que não era mais o mesmo. Estava menor. Havia minguado. A partir daí passou a reparar em sua sombra e se desesperava ao constatar que continuava diminuindo de tamanho. Chorava, angustiava-se, sentia muita revolta e um imenso estresse.

Começou a reclamar do mundo. Lembrando-se de seus tempos de realeza e gigantismo, desejava que alguma corrente marítima o levasse de volta à sua geleira. Lá ele tornaria a ser o que fora: grandioso, imortal e insuperável. 

Refugiava-se na ilusão. Isso é o que a realidade faz com você enquanto você se ilude…

E, a cada dia que passava, mais o iceberg diminuía. E mais ele chorava, lamentando seu destino. E assim, chorando, ia se extinguindo. Sua esperança era de que aquela ilusória corrente marítima, uma força maior, pudesse levá-lo de volta a seu reino polar.

Ele derretia, decrescia, tornava-se cada vez menor. Nos últimos instantes de vida uma forte chuva tropical começou a cair sobre o iceberg. Os pingos do temporal respingaram com força no mar e levaram quase tudo o que restava dele. Foi então que uma Gota d’água caiu bem ao seu lado.

O grande iceberg, reduzido a um minúsculo cristal de gelo, chorava e gemia de sofrimento. O pingo, ao contrário, chegava sorridente e estranhou toda aquela dor. 

Então perguntou: “Por que você chora, cristalzinho d’água?

Você não vê?”, respondeu o restinho do iceberg. “Estou para desaparecer, ser engolido por este mar. Logo eu, que já fui o maior de todos os icebergs do mundo. Navios me temiam. Pássaros e animais me habitavam como se eu fosse um continente. E agora estou virando um pingo d’água como você. Como você pode estar feliz se vamos todos sumir aqui, no meio deste oceano?!

Cristalzinho, ex-grande iceberg, você não vê?  Não consegue perceber que tudo é passageiro? Nada é definitivo, estamos sempre em transformação. A eternidade só é possível porque nos transformamos. Esqueça o iceberg que você foi. Aprenda com todas as mágicas realidades.

O cristalzinho de gelo calara-se. Ouvia, comovido, as belas palavras da gota d’água, que continuava:

Olha para o céu. Ele está tomado pelas gigantescas nuvens de onde eu vim. Eu era muito maior do que você, iceberg. Mas agora, misturado ao oceano, sou maior ainda. Você também. Somos maiores que o maior iceberg e a maior nuvem. E nos transformaremos de novo. Por isso viva, seja feliz. Agora como uma gotinha d’água, amanhã como nuvem, depois como um rio que irriga as plantações, uma represa que mata a sede e cria alimentos… Depois como vapor, para novamente subir aos céus. 

Esqueça o que você foi, grande iceberg. Vibre com o que você é agora, aqui, já. Cada instante é digno, imenso e gigantesco. Sonho é o que você faz com a realidade enquanto sonha. Saiba que a única certeza desta vida é a transformação infinita.

REFERÊNCIA:

TEJON, José Luiz. O beijo na realidade. São Paulo: Gente, 2005. p.116. 

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Essa historinha que parece de “criança” é contada nesse grande livro, desse grande homem, de forma magistral. A simplicidade da imagem diz tudo o que precisa dizer. A mim fez lembrar de uma velha metáfora conhecida de professores de Psicologia Analítica que diz que a consciência e o ego são apenas a ponta do Iceberg, e que abaixo do limiar da consciência, o inconsciente é imenso e gigantesco como um iceberg. Quando reunimos essas duas informações podemos até pensar que mesmo toda nossa complexa estrutura psicológica sucumbe, um dia, a realidade material da transformação da vida. Envelheceremos e morreremos um dia como qualquer outro ser humano que já viveu e viverá nesse lindo planeta azul… de vastos oceanos… Enquanto dura nossa vida humana, porém, todas as lições acumuladas por tantos autores, místicos, poetas, filósofos e artistas dessa nossa história da humanidade estão disponíveis a nossa atenção. A rede que nos liga on-line a qualquer parte do mundo nos presenteia com essas “mágicas realidades” de tantos lugares. Envelhecer nos dá o privilégio de apreciar o caminho como nunca antes. Aproveitemos as transformações e nos transformemos, de fato e sinceramente, em observadores da natureza. Acima como abaixo. Um lado como o outro. E veremos nosso iceberg logo ali em frente…