A sacralidade da atenção

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Material de Estudos do Grupo Arco-Íris

Parte 1 – A cerimônia do Chá

Para algumas tradições do zen budismo a CERIMÔNIA DO CHÁ tem um significado especialmente importante, funcionando como uma espécie de oração. Para seus adeptos tomar chá é uma meditação; sua prática os ajuda a alcançar bons patamares meditativos, treinando os monges e seus convidados leigos a estarem mais alertas, mais atentos.

Há mosteiros zen onde existe um “salão de chá”, que é como um verdadeiro templo, para onde as pessoas se preparam para entrar com purificações ou banhos e, naturalmente, deixam seus sapatos na porta entrada, em sinal de respeito ao ambiente. Lá dentro nenhuma conversa é permitida. Sentam-se cuidadosamente no zafu (pequena almofada colocada sobre o chão), em silêncio, numa postura meditativa e, cerimoniosamente, o anfitrião prepara o chá.

Quando a água começa a ferver, todos escutam atentamente o som que vem da chaleira, que cria uma espécie de música. As xícaras são colocadas diante das pessoas e elas respeitosamente as tocam. O chá é servido calmamente e todo o processo de preparar, beber e depor a xícara é muito lento, para que o praticante se dê conta de cada passo, o mais plenamente alerta que for possível.

Podemos refletir que, metaforicamente, a xícara na cerimônia do chá significa o corpoo chá, a consciência. Se a pessoa quiser estar alerta, terá de fazê-lo a partir das raízes do corpo. O chá não se trata mais, ali, de uma bebida qualquer, que se possa ingerir sem “atenção”. A consciência surge da sensibilidade dos praticantes acerca do que ingerem. 

Sensíveis a tudo que percebem e ao que fazem, como tomar um simples chá, podem observar – refinadamente – que algo especial está acontecendo. Algo sagrado!

É a plena atenção que torna aquela cerimônia coletiva uma oração, uma forma de meditação e, assim, a coisa mais trivial se torna sagrada.

Essa prática zen nos diz que nossas vidas ordinárias podem se tornar extraordinárias, se mantivermos a atenção nas sutilezas. Em outras palavras: ensinam-nos que é possível ter uma experiência de seres espirituais, mesmo em nossas vidas habituais, se tornamos sagrados nossos atos e percepção do mundo que partilhamos.

Conta uma estória zen que um mestre perguntou a um monge recém-chegado ao mosteiro:

⎯ “Eu já o vi antes?” O novo monge respondeu: ⎯ “Nunca senhor”. O mestre zen diz: ⎯ “Então, aceite uma xícara de chá”. Em seguida o mestre voltou-se para outro monge que ali se encontrava e perguntou:  ⎯ “Eu já o vi antes”? Ao que o segundo monge respondeu:  ⎯ “Sim senhor, já me viu, pois frequento o mosteiro há alguns anos”. O mestre zen disse: ⎯  “Então, aceite uma xícara de chá”.

Aqui termina a história; simples, mas difícil de entender rapidamente… A simplicidade sempre escapa a nossa primeira compreensão. Devemos esperar a água ferver… e só depois derrama-la vagarosamente sobre o nosso chá. Este tempo nos permite sentir a história. Como quem faz e saboreia um chá, deixemos nossos sentimentos conduzirem nossas reflexões sobre a mesma.

Uma primeira coisa a ser observada é que, para aquele mestre zen, tudo é novo.

Se uma pessoa for diariamente a um mesmo jardim, logo deixará de olhar para as árvores, ouvir os pássaros. Ela pensará que já o conhece porque tudo se tornou tão familiar que seus olhos e ouvidos se fecharam. Mas, digamos metaforicamente: se aquele “mestre” viesse para esse jardim todos os dias, tudo seria sempre novo para ele, cada dia um deslumbre agradável de estar num lindo jardim vivo. Isso é que é ter consciência; para quem está consciente tudo está sempre novo. 

Para a consciência não adormecida tudo está sendo criado a cada momento, tudo é constantemente novo. Sem carregar fazer da memória um fardo, a existência inteira é recém-nascida para a consciência. A consciência plena, no aqui e no agora é sempre tão fresca quanto uma gota de orvalho na madrugada e tão natural quanto uma flor que brota na primavera. A experiência consciente é como um bebê recém-nascido; nela tudo está fresco, sem poeira.

Se uma pessoa olha para o mundo e sente que tudo é velhoisso mostra que a sua mente é velha; sua consciência está como um espelho coberto de poeira. Aqui o mundo não é a questão, o espelho é a questão!

A pessoa não pode estar apaixonada pela existência e aproveitar isso se for argumentativa… Argumentando e pensando a vida deixa de ser celebração. A celebração só é possível quando a existência é uma novidade contínua, sempre jovem. Uma mente fresca responde com esse frescor, e percebe-o em todos os lugares.

Outra dimensão a ser explorada de nossa mesma história é a curiosa forma com que o mestre zen reage aos dois monges da mesma forma, mesmo tendo recebido respostas diferentes.

Essa figura do mestre, nos lembra que uma pessoa iluminada (no sentido de lúcida, desperta, consciente) permanece sendo a mesma e tendo as mesmas disposições sem se alterar frente a situações diferentes, especialmente as consideradas aflitivas pela maioria. Ao invés de reagir incessantemente ao ambiente favorável ou aborrecer-se com um suposto desfavorecimento qualquer, o ser iluminado recebe e contempla. Se for pertinente, atuará para mudar o ambiente em que se encontra, mas não será “mudado” pelo ambiente, ou seja, o desperto não é influenciável pelo ambiente, pelo o quê lhe favorece ou desfavorece momentaneamente.

A maioria das pessoas que são muito influenciáveis pelo ambiente não possuem uma “Alma integrada” – digamos assim. Estão vulneráveis como roupas ao varal, reagem ao sabor dos ventos. Sua consistência interna ainda oscila muito, não tão bem enraizada na experiência consciente da vida como fluxo.

Ainda outro ensinamento que podemos auferir da história trata da importância do acolhimento. O mestre demonstra que todos são benvindos, não importando quem são, de onde veem ou quando chegaram. A porta do templo o mestre deixa aberta: entremos e aceitemos uma xícara de chá!

Um mestre não pode entrar por sua mente, mas – o verdadeiro mestre – pode entrar pelo seu coração. O convite é para que o discípulo entre e relaxe, pois quando uma pessoa está tensa, se sentindo julgada ou desconfortável, seu mundo interior será fechado, resguardado. Só na confiança o discípulo será permeável aos ensinamentos para o coração, vindos do coração. Ao oferecer-lhes uma xícara de chá o mestre da história está convidando seus discípulos, mas também a nós mesmos, a ficarmos relaxados e amigáveis… confiantes na sabedoria do coração atento. A partir da aproximação com o coração, seus discípulos mais íntimos e tranquilos, serão mais facilmente encorajados a “aprenderem” ou, como diríamos em nossas palavras: a lembrarem do que sabem.

A primeira coisa que cada um de nós recebeu nesse mundo, ao chegar aqui, foi o alimento: uma bebida. Nenhum de nós foi privado desse primeiro ato de intimidade entre uma mãe e sua criança, no momento da amamentação. Ali estava um prenúncio de que haveria quem nos amaria e nos conduziria nos momentos de sobrevivência e luta por nossa vida, que estava ali começando. O alimento foi o primeiro cuidado e apaziguamento que recebemos. Quando os mestres zen convidam uma pessoa para tomar chá, estão dizendo de modo simbólico:

“Venha e torne-se uma criança para mim; deixe que eu me torne sua mãe, seu segundo útero.

Deixe-me acolhê-lo; eu lhe darei o renascimento”.

O convite que o mestre fez aos dois monges na história, foi um convite para a intimidade, um convite para que aquele mestre pudesse verter o seu amor e a sua consciência sobre eles. O alimento preparado com amor tem uma qualidade completamente diferente e ressoa simbolismos profundos facilitadores da relação de confiança e intimidade.

Essas não são as únicas dimensões desta história, são dimensões da sensibilidade, mas podemos sentir também outros chamados e convites para novas considerações sobre a Cerimônia do Chá… Nosso sentir é o que nos surpreende com compreensões mais elevadas a partir de coisas bem simples, se percebidas com profundidade e sutileza. 

O amor é um conhecimento mais elevado e é o coração, e não a mente, o mais alto centro do conhecimento. 

Usemo-lo!

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Parte 2:  A espiritualidade da atenção

O segredo para iniciar uma vida de profunda consciência e sensibilidade é estar disponível para prestar atenção.

Nosso crescimento como seres humanos é marcado, não tanto por atitudes grandiosas e renúncias visíveis, como muitas vezes ouvimos dizer, mas – bem ao contrário – pela atenção amorosa que dispensarmos aos detalhes mais ínfimos de nossas vidas. Todo e qualquer pensamento, gesto ou comportamento pode adquirir um significado abençoado ao emergir na consciência através da atenção sincera que lhe dediquemos.

Nos é fácil esquecer o poder da atenção em meio aos labirintos de nossas mentes e na complexidade de nossas vidas. Nossa sociedade treina em demasia a racionalidade e a operação de extração e exploração dos recursos do mundo. Treinados assim… mente focada e corpo vigilante… coração e criatividade são recolhidos para áreas de menor valorização e, consequentemente, serão destreinados… adormecidos… banalizados. Sem a atenção viva, integrada e integradora da experiência, viveremos, então, apenas na superfície da existência.

É a atenção que permite que ouçamos verdadeiramente o canto de um pássaro, a beleza intrínseca de uma folha no outono ou que percebamos um coração alheio. Quando ficamos integralmente presentes nessas experiências, como, por exemplo, a de amar algo de todo coração, nos tornamos então perfeitamente despertos, atentos ao momento presente e recebemos, assim, todos os ensinamentos que aquela experiência contém. Saímos da superfície da experiência e entramos, atentos, no seu âmago. 

As pessoas têm, geralmente, excessivas e hipertrofiadas em importância dados e lembranças de seu passado, bem como fantasias sobre o seu futuro. Cheias de tantas dessas certezas é fácil perderem-se em preocupações com essas coisas. Dizem a si mesmas que já fizeram e sofreram “muito” e/ou que serão felizes quando aquela tal metade for alcançada. Em geral creem que ainda lhes resta tempo, podendo deixar para depois o trabalho de abrir seus corações, desenvolver sua criatividade ou saborear coisas bem simples. Neste ontem e nesse amanhã perdem a ligação essencial de todas as coisas. Se sentem apressadas e ansiosas para resolver as “dez mil coisas” que vem na frente das do coração e da alma. 

Ter em mente o quanto a vida é imprevisível e os dias incertos, confere-nos um senso de paixão à qualidade do nosso viver no presente. Em que outro lugar, senão aqui, podemos começar a viver com amor e sabedoria?Em que outro momento, senão agora, podemos realmente começar a abrir nossos corações?

Atenção é sensibilidade… é capacidade de estabelecer uma conexão essencial com todas as coisas. A atenção ao momento é o que nos revela as alegrias e tristezas do mundo em que vivemos e as reais circunstâncias em que nos encontramos. Sem atenção achamos que vemos, mas dormitamos! Embriagados por “muito”, experimentamos o raso ou o quase nada.

Todas as sabedorias ancestrais nos inspiram a não recuar diante da dor e a perguntar o que podemos fazer para ajudar a melhorar a nossa comunidade, nosso mundo, o nosso planeta. Quase sempre apontam para o nosso maior bem e força: nossas menores atitudes, desde que sejam fruto de nossa atenção plena àquele momento. Um gesto amoroso e gentil, a mão espalmada sobre o colo percebendo a respiração, uma palavra companheira, a lembrança de oferecer água, a prestimosidade de um silêncio solidário e prestativo, a solicitude de ceder a vez… pequenos recursos, movimentos mínimos que, porém, nos permitem ir além dos limites de nosso mundo pessoal e colaborar com a Vida. São possíveis se estivermos verdadeiramente atentos. Na economia da existência gastam pouco e recuperam muitas energias perdidas.

A atenção é, sobretudo, um precioso veículo de estabelecimento de um elo interior conosco mesmos, diante de nossa própria mutabilidade de ideias, pensamentos e anseios, diante de nossa pressa, de nossa insatisfação e altíssima cobrança interior… tão comuns aos nossos tempos. Atentos podemos aprender a ouvir o que há dentro de nós mesmos, sem juízo ou resistência, é começarmos a conhecer e compreender quem somos e encontrar a Fonte da Sabedoria.

Um pouco de atenção muda tudo no mundo.

A prática da atenção começa com coisas simples, mas nem por isso, fáceis.

Perguntemo-nos:

– Quantas coisas não percebi, não vi ou não compreendi porque não estava atento?

– Trabalhei por horas em um projeto e me esqueci de algo simples, mas muito importante?

– Saí depressa de algum lugar e se esqueci lá um objeto necessário?

– Num dia nublado já esqueci o guarda chuva?

– No caminho para entregar algo já lembrei que ficou em casa o que deveríamos estar carregando?

– Deixei de perceber a tristeza em quem amava, quando essa pessoa mais precisava de mim?

– Deixei de dar atenção ao meu amigo quando ele mais precisava?

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Todos os dias, sem exceção, são sucessões de oportunidades. A sabedoria está em percebermos o que você fazer com eles. Sem atenção à oportunidade, perdemos sua sabedoria.

Quando saímos da cama pela manhã, em geral, queremos estar “presentes” em nossas vidas. Gostaríamos de estar conscientes e perceptivos, de prestar atenção aonde vamos e ao que faremos, mas, nesse mundo moderno onde vivemos… existem estímulos demais. Acabamos sendo atraídos para várias direções ao mesmo tempo, o que torna difícil que permaneçamos focados no momento presente.

Por exemplo: quando ligamos o computador de manhã, pretendemos começar a trabalhar imediatamente, mas nos deparamos com muitos convites sedutores (ler notícias, considerar os anúncios que piscam, responder aos e-mails, checar nossas mídias sociais e muito mais). Tudo é muito tentador e as distrações, pequenas e grandes, nos afastam da plena atenção. Não é que as distrações, por si só, sejam nocivas ou ruins, mas o problema é que somos atraídos em sua direção como crianças inconscientes, sem capacidade de discernimento.

Como no poema épico grego “A Odisséia” ( que conta a história heroica de Ulisses tentando voltar para casa e para sua esposa, depois da guerra de Tróia) somos avisados, durante nossa árdua jornada, cheia de perigos e tentações, que o “canto das sereias” poderá nos seduzir… conduzindo-nos aos rochedos e à rebentação. Se não ouvimos as predições de Circe, já que estamos séculos depois da invenção dos mitos, poderíamos ouvir nosso inconsciente sobre nossas tentações e vulnerabilidades. Todos somos vulneráveis às canções enfeitiçadas das sereias que surgem em nossos caminhos. Mas… às vezes agimos como crianças incautas… ou como homens desavisados… e nos embrenhamos em todas as distrações matinais que nos cobrarão a falta de foco e proveito do dia!! Carpe Diem… já nos disseram inúmeros… de inúmeras formas…

A prática da atenção nos ensina a viver com consciência, de olhos abertos, para que as partes menos conscientes de cada um de nós, sejam iluminadas e o domínio do inconsciente, abrandado. Quando usamos da atenção temos menos probabilidade de sermos puxados para as águas turvas da vida, de sermos despedaçados contra os rochedos, ou de nos sentirmos culpados por erros e perdas advindas de coisas que poderíamos ter evitado. 

A noção da importância de nossa atenção para conosco mesmo, na forma de uma vida mais desperta e lúcida, pautada por nossos melhores interesses e decisões pode ser aprendida e exemplificada na nossa própria experiência pessoal dos dias. Se não nós.. as “pessoas”… aqueles outros, sabem? Então, os “outros” possuem objetos aos quais, regularmente, não prestam atenção e os perdem – chaves, óculos, cartões, celulares, controles remotos de TV e de garagem, telefone sem fio, etc. Essas pequenas faltas de atenção desperdiçarão parte de seus tempos para corrigir suas consequências; além disso os irritará e estes aos que estiverem ao seu redor… Na vida, há momentos em que a falta de atenção acaba sendo realmente destrutiva e perturbadora. Sabemos disso. Tentemos nos lembrar de algumas coisas absolutamente idiotas e negligentes que já fizemos e das terríveis consequências que nós mesmos sofremos ou fizemos os outros sofrerem que por base esteve nossa falta de atenção

Tomara que essa reflexão nos desperte para a importância do que temos a nosso dispor, no equipamento de nosso corpo: atenção! Pura, simples e leve.

A atenção é sempre o antídoto para a negligência e para o hábito de ignorar as coisas.

Muitas vezes deixamos de prestar atenção até nas pessoas de quem realmente gostamos do convívio e até de quem amamos! Na modernidade super ocupada e tarefeira nos tornamos um pouco negligentes na forma como cuidamos de nossos relacionamentos pessoais – os mais próximos. Dizemos a nós mesmos que na “semana que vem” vamos começar a prestar atenção às coisas e às pessoas que realmente importam, mas em geral a “semana que vem” nunca chega. O tempo “não permite”. Não dar valor ao que temos até perdermos é uma infeliz contradição, frequente. Achar que as coisas estão “garantidas” é o oposto da atenção, com sua ênfase na apreciação e sutileza das coisas. Garantias podem durar até a página 2. Qualquer observação não muito distante de nossos próprios familiares ou conhecidos nos fará lembrar disso sem irmos longe. Quantas pessoas conhecemos que vimos considerar garantidas situações ou coisas que depois perderam inexoravelmente? Gostaríamos de entrar nessa lista dos que perderam primeiro para dizerem depois que deveriam ter cuidado e aproveitado melhor? O que nos falta para tomar essa decisão de ação atenciosa e do bom uso da consciência de nossos valores pessoais mais honestos?

A atenção nos incentiva a perceber, intuir e sentir aquilo que estamos realmente percebendo e sentindo.

Atentos poderemos parar e sentir o perfume das rosas do caminho… porque estaremos mais sintonizados com o fato de que elas estão realmente lá, em vez de, distraidamente, corrermos na direção que imaginamos que devíamos estar indo – em geral “atrasados” – projetando nossos pensamentos em inalcançáveis metas futuras. Hoje mesmo pode ter havido uma rosa em algum momento de nosso caminho… nem sempre num jardim… às vezes numa logo marca… na estampa do tecido da balconista… teríamos visto uma rosa hoje se estivéssemos atentos?

A vida é muito mais que uma lista de coisas a fazer.

A atenção enxerga as coisas como são, além dos domínios do conceito e do intelecto. Ela ajuda a discernir a essência do que é, do jeito que é, momento a momento. Quando deixam de praticar a atenção na vida cotidiana, estamos evidentemente sendo tolos. Tolo é o antônimo de sábio. É o exato oposto de consciente.

A sabedoria é o oposto da ilusão e da confusão.

Todos sabem como é estar em uma situação ou ambiente tão estressante, que é quase impossível pensar com clareza. Nessas horas a atenção nos ajuda a permanecermos calmos e lúcidos e não nos deixa ser levados de roldão pelas ondas emocionais e pela confusão, que nos distorcem a percepção.

Por isso, o treinamento da atenção é um treinamento para a vida. Faz com que aprendamos a estar presentes quando surge qualquer problema e, ainda, a estar um pouco mais a favor da vida e não contra ela. Melhora a concentração e o foco, a memória, a percepção, a clareza, o discernimento, a lucidez e faz uma coisa que ninguém mais pode fazer por nós: literalmente salva-nos de nós mesmos, egóicos demais!! Salva-nos de um sem número de desejos inconscientes, ansiedades e febril impulsividade mental e emocional.

Quando processamos nossos problemas, dificuldades ou crises com a ATENÇÃO e abertura plena para a vida escondida e poderosa dentro de nós, que se manifesta em criatividade, coragem e determinação, então o tamanho de cada coisa toma a proporção real. Se são problemas, dificuldades e crises então: mãos a obra! A obra do enfrentamento sereno e do combate preciso exige não desperdiçarmos energias chorando leite derramado ou temendo inexistências; exige sim bom manejo dos recursos de que dispusermos. 

Lamentavelmente muitas pessoas passam pela vida quase como se fossem sonâmbulos. De vez em quando despertam para um breve instante de clareza e dizem a si mesmos: “Que inferno mental é esse que criei?”. Mas, logo voltam ao estado de semiconsciência e prosseguem aos tropeços, sonolentos, ao volante da vida, reclamando e xingando, amaldiçoando coisas e pessoas… Não prestam atenção suficiente no que fazem e depois se perguntam como foram parar nos apuros em que se meteram. Às vezes, no momento em que cometem um erro, dizem a si mesmos: “Isso está errado; por que estou fazendo isso”? Mas mergulham nesse estado de sonambulismo logo depois… para despertar ainda em piores lençóis. Fazer o correto às vezes dá mais trabalho, pelo menos aparentemente, imediatamente. Então os preguiçosos da auto consciência caem de novo em seu sono e pesadelos. 

Até certo ponto, pelo menos em alguns momentos de despertar, todos têm algum grau de consciência do que fazem. A consciência é inata e está sempre presente. Infelizmente, porém, raramente a consciência funciona com toda a sua eficiência. Em geral nossa Consciência Maior fica como que obscurecida por nossas distrações passageiras, velada por ilusões e confusões, escondida sob camadas de hábitos e comportamentos adquiridos.

Prestar atenção ajuda a saborear o momento presente com toda a sua riqueza e intensidade, a ver realmente o que está acontecendo e ampliar a consciência de si e do mundo. Nesse estado desperto as decisões são mais seguras e serenas, a experiência de viver mais rica e satisfatória e, por fim, a auto consciência passa a ser uma meta sempre em ampliação independente de idade, saúde ou condições de vida. Com a consciência desperta do que representa a experiência imensa do viver… viver se torna muitíssimo mais simples e belo.  A sensação dos verdadeiramente atentos é a de que recebem um presente diário.

Ao contrário da atenção, a desatenção parece ser um sintoma desse século.

E para combater esse sintoma coletivo podemos oferecer nossa própria educação de nossa atenção:

– Reparando bem nas relações causais.

– Observando atentamente as interconexões entre os atos e seus efeitos.

– Reduzindo a velocidade.

– Melhor vivenciando e saboreando a textura e as sensações de suas experiências.

O treino da atenção nos ajuda a sentir o perfume das flores, mas antes nos ajuda a “vermos” as flores. Ajuda-nos a viver de maneira “impecável”: despidos daquelas muitas camadas de hábitos e reações condicionadas que nos levam a pensamentos e atos descuidados. Ensina-nos a olhar antes de pular e a pensar antes de agir. Alerta-nos para não viver como mariposas inevitavelmente atraídos para as chamas brilhantes e perigosas da luz que ofusca e não nos faz ver. A atenção nos pode livrar de nossos comportamentos e reações automáticos perante a vida e de nossas rotinas insatisfatórias.

Quando nos tornamos mais atentos, a inteligência espiritual e a sabedoria inata em todos nós, começa a resplandecer. A sabedoria consiste em poder discernir o que é verdadeiro, separando o falso do real. Ser sábio é ser consciente. Por isso, façamos cada pequena coisa na vida com cuidado, mantendo uma percepção relaxada e a atenção plena, pois a vida não é uma distração! A vida é uma ocasião para a meditação.

Não façamos distinção entre as coisas distinguindo o que é “trivial” do que é “espiritual”. Tudo depende de como percebemos, da atenção que damos e da sacralidade que imprimimos em nossas percepções e atitudes. Prestemos atenção, sejamos cuidadosos e tudo se tornará espiritual

Nós é que atribuímos às coisas a sua espiritualidade; esse é – inclusive – nosso presente para o mundo.

                                                             

                                                                                                                          

                                                                                                                                                          

REFERÊNCIA

A SACRALIDADE da atenção. Vitória: Material de estudo do Grupo Arco-íris, 15 out. 2020. Mimeo.

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

A atenção plena é uma ferramenta cada vez mais desenvolvida pela ciência psicológica. A Linguística, as Neuro-Ciências e até a Psiconeuroimunologia estão sempre avançando na descoberta dos benefícios da atenção plena, da atenção focada ou meditação. Os conceitos vão se multiplicando. Neste texto, porém, vemos um ponto de vista educativo nascido de uma reflexão espiritualista que combina em teor e objetivos no que as nossas ciências procuram: o bem-estar produzido com autonomia, produzido pelo treino de nossas habilidades mentais e psicológicas com amplos efeitos positivos e poderosos sobre nosso corpo e saúde física/emocional. Treinemos a sacralidade da atenção! Observemos as múltiplas fontes de reflexão que nos são oferecidas na modernidade. Por todos os lados saltam informaçãoes… cabe-nos refletir… e re-orientar – se de fato compreendermos e concordarmos com algumas das informações e seus desdobramentos – nossa própria vida no seu cotidiano, para honrar e alcançcar os benefícios da informações tão fartamente distribuídas ao homem que lê… e busca evoluir…