Casamento do ponto de vista de um economista

O  SEGREDO  DO  CASAMENTO (1)

por Stephen Kanitz 

Administrador por Harvard, cronista da Veja, www.kanitz.com.br

Meus amigos separados não cansam de me perguntar como eu consegui ficar casado trinta anos com a mesma mulher. As mulheres, sempre mais maldosas que os homens, não perguntam para minha esposa como ela consegue ficar casada com o mesmo homem, mas como ela consegue ficar casada comigo.

Os jovens é que fazem as perguntas certas, ou seja, querem conhecer o segredo para manter um casamento por tanto tempo.

Ninguém ensina isso nas escolas, pelo contrário. Não sou especialista no ramo, como todos sabem, mas dito isso, minha resposta é mais ou menos a que segue.

Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém aguenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade, já estou no meu terceiro casamento – a única diferença é que me casei três vezes com a mesma mulher. Minha esposa, se não me engano, está em seu quinto, porque ela pensou em pegar as malas mais vezes do que eu.

O segredo do casamento não é a harmonia eterna. Depois dos inevitáveis arranca-rabos, a solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com a mesma mulher. O segredo, no fundo, é renovar o casamento, e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados e preocupações que são esquecidos no dia-a-dia do casal. De tempos em tempos é preciso renovar a relação. De tempos em tempos, é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, voltar a se vender, seduzir e ser seduzido.

Há quanto tempo vocês não saem para dançar? 

Há quanto tempo você não tenta conquistá-la ou conquistá-lo como se seu par fosse um pretendente em potencial? 

Há quanto tempo não fazem uma lua-de-mel, sem os filhos eternamente brigando para ter sua irrestrita atenção?

Sem falar nos inúmeros quilos que se acrescentaram a você depois do casamento. Mulher e marido que se separam perdem 10 quilos num único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo antes da separação e sem o sofrimento todo? Faça de conta que você está de “caso novo”. Se fosse um casamento novo, você certamente passaria a frequentar lugares desconhecidos, mudaria de casa ou apartamento, trocaria seu guarda-roupa, as músicas, o corte de cabelo e a maquiagem. Mas tudo isso pode ser feito sem que você se separe de seu cônjuge.

Vamos ser honestos: ninguém aguenta a mesma mulher ou marido por 30 anos com a mesma roupa, o mesmo batom, o mesmo pijama, os mesmos amigos, com as mesmas piadas… Muitas vezes cansamos não é nem da esposa, mas dos amigos dela que estão ficando chatos e mofados de tão iguais. Os próprios móveis com a mesma desbotada cor de anos estão pedindo para serem trocados! Se você se divorciasse, certamente trocaria tudo, que é justamente um dos prazeres da separação. Quem se separa se encanta com a nova vida, a nova casa, um novo bairro, um novo círculo de amigos.

Não é preciso um divórcio litigioso para ter tudo isso. Basta mudar de lugares e interesses e não se deixar acomodar. Isso obviamente custa caro, e muitas uniões se esfacelam porque o casal se recusa a pagar esses pequenos custos necessários para renovar um casamento. Mas se você se separar, uma nova esposa vai querer novos filhos, novos móveis, novas roupas, e você ainda terá a pensão dos filhos da união anterior.

Não existe essa tal “estabilidade do casamento”, nem ela deveria ser almejada. O mundo muda, você também, seu marido ou sua esposa, seu bairro e seus amigos. A melhor estratégia para salvar um casamento não é manter uma “relação estável”, mas poder mudar junto. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisa que jamais havia pensado fazer no início do casamento. Você faz isso constantemente no trabalho, por que não fazer na própria família? É o que seus filhos fazem desde que vieram ao mundo.

Portanto, descubra o novo homem ou a nova mulher que vive a seu lado, em vez de sair por aí tentando descobrir um novo e interessante par. Tenho certeza de que seus filhos os respeitarão pela decisão de se manterem juntos e aprenderão a importante lição de como crescer e evoluir unidos apesar das desavenças. Brigas e arranca-rabos sempre ocorrerão; por isso de vez em quando é necessário casar-se de novo, mas tente fazê-lo sempre com o mesmo par. 

[E, assim, fazer evoluir o relacionamento o quanto for possível. Proveitoso, sempre será!]

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O  CONTRATO  DE  CASAMENTO (2)

Na semana passada comemorei trinta anos de casamento. Recebemos dezenas de congratulações de nossos amigos, alguns com o seguinte adendo assustador: “Coisa rara hoje em dia”. De fato, 40% de meus amigos de infância já se separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendo da essência do contrato de casamento, que é a promessa de amar o outro para sempre.

Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Mas isso não é um contrato! Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo “vou sempre amar você”, como se fosse um prêmio de consolação. Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça. “Eu amarei você para sempre” deixou de ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita para enganar o outro. 

Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. 

Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20 anos de idade, depois de uns três anos de namoro. A chance de você encontrar sua alma gêmea nesse curto período de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90% das mulheres e homens de sua vida você iria conhecer provavelmente já depois de casado. Estatisticamente, o homem ou a mulher “ideal” para você aparecerá somente, de fato, depois do casamento, não antes. Isso significa que provavelmente seu “verdadeiro amor” estará no grupo que você ainda não conhece, e não no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescência, do qual saiu seu par. E aí, o que fazer? Pedir divórcio, separar-se também dos filhos, só porque deu azar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema. 

Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas.

As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essa incerteza, sem a qual ficaríamos todos paralisados à espera de mais informação. Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: 

Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que fatalmente encontrarei dezenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia”.

Homens e mulheres que conheceram alguém “melhor” e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com o atual cônjuge, esqueceram a premissa básica e o espírito do contrato de casamento. 

O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre. Um dia vocês terão filhos e ao colocá-los na cama dirão a mesma frase: que irão amá-los para sempre. Não conheço pais que pensam em trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. Não conheço filho que aceite, de início, a separação dos pais e, quando estes se separam, não sonhe com a reconciliação da família. Nem conheço filho que queira trocar os pais por outros “melhores”. Eles aprendem a conviver com os pais que têm.

Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ou seu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situação muda, e num próximo artigo falarei sobre esse assunto. 

Para aqueles que querem ter vantagem em tudo na vida, talvez a saída seja postergar o casamento até os 80 anos. Aí, você terá certeza de tudo.

REFERÊNCIA (1):

KANITZ, Stephen. O segredo do casamento. Veja, São Paulo, Abril, ed. 1922, ano 38, n.37, p. 24, set. 2005.

REFERÊNCIA (2):

KANITZ, Stephen. O contrato de casamento. Disponível em: <http://blog.kanitz.com.br/contrato-casamento/>. Acesso em: 3 dez. 2017.

COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

Um texto é uma provocação ao diálogo. O autor não está ali e assim não o podemos interromper e – se o vamos ler, mesmo – continuamos até o fim da leitura para dar toda a atenção possível à demonstração dos argumentos do autor. Este texto do Kanitz é provocativo, em primeiro lugar, porque é uma fala claramente vinda de alguém que não se pretende “especialista”! Esse é um texto-confissão. Ele apresenta como pensa, como acredita, como vê o mundo. A sinceridade de seus argumentos não está aqui necessariamente para ser admitida. Não precisamos, de fato, nem concordar ou discordar. Podemos, de fato, apreciar. Apreciar a fala de um não-especialista que se enreda no “politicamente” correto de nossos tempos que é a liberdade de escolhas, inclusive e enormemente, no casamento. Em segundo lugar o texto é provocativo porque relaciona claramente os rompimentos com um mesmo casamento (1) e a premissa de que, mesmo rompendo, amando para sempre (2) não haveria abandono. Sem entrar em todos os debates possível – especialmente na fácil defesa do direito à separação que os casais têm – podemos admirar aqui a dignidade cavalheiresca desse homem à moda antiga. O lemos e verificamos que seu casamento maduro não foi “perfeito” ou estável, mas que foi uma construção tão sólida que o leva a defender a “estrutura”. Aqui me coloco como admiradora e propagadora fiel dessa ideia: o que ambos constroem a duras penas… o que ambos constroem dedicadamente… o que ambos constroem na sinceridade total, por mais dolorida que seja em alguns momentos… no que ambos investem forças, esperanças, criatividade e beleza pode até acabar, por morte ou divórcio, mas não dará a nenhum dos dois a sensação de desamparo, de ter sido ludibriado. Escolher um parceiro para este contrato é escolher alguém em quem confiaríamos este grande e longo projeto de confiança mútua. E, acrescento, mesmo havendo separação e divórcio, luto ou a completa perda do contato consciente (como nas doloridas doenças neurológicas típicas do envelhecimento de alguns) quando o parceiro evolui e nós também o amor é então tornado real no respeito pela vida do outro como se fosse a sua. Podemos nos casar e nos unir, respeitosamente. Podemos até nos separar e nos desunir também respeitosamente, partilhando do aprendizado de um amor sem posse ou condição. “Amor” porque amar é próprio do divino de cada humano em nós.