Leitura e mudança cerebral positiva

PORQUE ESTA NOTÍCIA MUDARÁ SEU CÉREBRO (e 3 outros fatos sobre a neurociência da leitura)

por Ana Pais / BBCMundo

Artigo do Hay Festival Arequipa digital ENTRE de 1 a 7 de novembro de 2021

O título desta nota parece pretensioso, mas é um fato científico simples: a leitura muda a química, a física, a anatomia e a fisiologia do cérebro.

A questão é quanto vai conseguir transformá-lo. Segundo o neurobiólogo espanhol Francisco Mora, vai depender se o texto consegue despertar a sua curiosidade e, sobretudo, as suas emoções.

Você só pode aprender o que ama”, disse Mora no livro “Neuroeducação”, publicado há 8 anos [2013]. Este ensaio sobre como a ciência do cérebro pode melhorar a maneira como as pessoas são ensinadas e como aprendem vendeu 48.000 cópias e acaba de chegar à sua terceira edição.

No ano passado, o também professor universitário publicou “Neuroeducação e leitura” para aprofundar um dos temas centrais de seu best-seller anterior e que considera a verdadeira grande revolução humana”: a capacidade de ler.

Antes de sua palestra no âmbito do Hay Festival Arequipa [2021], Mora conversou com a BBC Mundo sobre o cérebro, educação e leitura, um diálogo resumido aqui em quatro grandes fatos.

  1. LER É UM PROCESSO ARTIFICIAL E RECENTE

 Adquirimos a capacidade de falar por meio de processos de mutação genética com o Homo habilis há cerca de 2 a 3 milhões de anos”, diz Mora. Desde então, o ser humano nasce com os circuitos neurais da linguagem, embora valha a pena esclarecer que a ação de falar só se aprende no contato com os outros.

Pode-se dizer que nascemos com um disco cerebral no qual podemos gravar, mas que ficará vazio se nada for gravado nele”, escreveu ele em “Neuroeducação e leitura”.

Por outro lado, a leitura nasceu há cerca de 6.000 anos devido à necessidade de se comunicar para além de nossa própria tribo, superando o curto alcance do boca a boca.

Além disso, sua base não é genética, mas artificial ou, antes, cultural.

Ler é um processo que, por não ser geneticamente codificado (e, portanto, não ser transmitido por herança), se repete custosamente em cada ser humano e exige um trabalho árduo de aprendizado e memória a cada vez”, explica no livro.

E acrescenta: “Ler, e claro, ler bem ou muito bem, requer um laborioso processo de aprendizagem, atenção, memória e treino explícito que dura anos e mesmo uma grande parte da vida se se aspira a ler muito. Eficiente”.

Mas o “custoso” e “trabalhoso” do processo não tem que significar necessariamente sofrimento, esclarece Mora, que aos 4 anos começou a vivenciar “o castigo da leitura na escola” devido ao desconhecimento de seus educadores sobre o funcionamento do cérebro da criança.

  1. APRENDER A LER MAIS CEDO NÃO O TORNA MAIS INTELIGENTE.

As crianças são “verdadeiras máquinas de aprendizagem desde o útero, escreve o pesquisador e divulgador. Na verdade, continua ele, “o ser humano precisa aprender quase tudo”. Acrescenta: “Não há pensamento sem o fogo emocional que o alimente”, escreve Mora.

A leitura é um dos grandes marcos no desenvolvimento infantil, que enche os pais de orgulho … ou de preocupação.

Quando uma mãe percebe que seu filho de 5 anos ainda tem dificuldade para aprender a ler e que a vizinha de 4 anos do outro lado da rua já lê com fluência, ela pode se perguntar: o meu filho é mais desajeitado?”, ele diz.

No entanto, a neurociência tem mostrado que para aprender a ler, certas partes do cérebro devem ter amadurecido previamente, o que pode acontecer aos 3 anos, mas que geralmente culmina aos 6 ou 7 anos. Por essa razão, escreve, é aconselhável que a leitura comece a ser ensinada formalmente aos 7 anos, “uma idade em que, quase certamente, as áreas cerebrais básicas da leitura estão desenvolvidas e maduras em todas as crianças o suficiente para que possam compreender todos o sentido e emoção da tarefa de começar a ler. Esta é precisamente a idade em que se começa a aprender a ler naquele país tão avançado em educação que é a Finlândia”. Esse é um dos exemplos que ele mais gosta de usar para explicar a importância da neuroeducação, ou seja, uma educação baseada no funcionamento do cérebro.

Além do fato de que forçar uma criança a aprender a ler prematuramente pode causar sofrimento e frustração desnecessários, alcançar essa habilidade aos 3 ou 4 anos não tem significado futuro.

Em outras palavras, não dá a você uma vantagem acadêmica ou o torna mais inteligente.

Segundo Mora, a maturação do cérebro tem um componente genético, mas também um componente cultural, vinculado sobretudo ao lar: crescer com pais que leem ou leem para você “tem uma dimensão emocional que facilita muito a aprendizagem da leitura”.

  1. A INTERNET ESTÁ CRIANDO UM PROBLEMA DE ATENÇÃO

Ninguém duvida que a Internet foi uma revolução cultural, criando uma ‘era digital’ em que a leitura não só é feita mais rapidamente, mas também de uma maneira diferente”, escreve Mora em “Neuroeducação e leitura”.

No entanto, vários estudos sobre os efeitos da Internet no cérebro de crianças e adolescentes também começam a mostrar aspectos negativos, que vão desde uma diminuição da empatia até um declínio na capacidade de tomar decisões.

Especificamente sobre a leitura, como explica em “Neuroeducação e leitura”, é necessário inibir temporariamente “99% de tudo o que normalmente pensamos ou que entra em nosso cérebro para prestar atenção a 1% disso e processar a informação corretamente”. Além disso, isso requer um certo tempo.

Em vez disso, navegar na Internet “requer um foco de atenção muito curto e em constante mudança”. Isso, diz o espanhol, está desabilitando um dos muitos tipos de atenção que existem: a executiva. “Aquela que você tem quando projeta um plano de trabalho, aquela que se requer para estudar”, explica ele, que é “sustentada” e “descansada”.

Há até quem fale de uma nova forma de atenção, que chamam de digital.

Mora reconhece que hoje não faz sentido reter a data de nascimento de uma figura histórica, fato que o Google responde de forma rápida e correta. Mas, isso não significa que a memória deixou de ter importância na sala de aula.

Você precisa memorizar muito, porque suas memórias são o que você é”, opina. “Não é mesmo bom ter algumas memórias de alguma poesia ou um pequeno pedaço de literatura que você pode usar para embelezar sua própria fala?”. Continua: “Essa é uma dimensão importante da sua individualidade, daquilo que o torna diferente.” E inclusive, ele garante, isso o torna uma pessoa melhor.

  1. LER MUDA O CÉREBRO (E VOCÊ)

Embora o cérebro não seja geneticamente projetado para ler, esse órgão tem uma propriedade fundamental para isso: a plasticidade.

A palavra vem do grego “plastikós”, que significa “mudança” ou “modelagem”. Talvez o melhor exemplo seja que o aprender a ler modifica a função de uma área do cérebro que é principalmente programada para identificar formas e detectar rostos, a qual passa também a processar e construir palavras.

Mas, as transformações não são apenas no nível fisiológico! “O que (o professor) ensina tem a capacidade de mudar o cérebro das crianças em sua física e química, anatomia e fisiologia, fazendo crescer algumas sinapses ou eliminando outras e formando circuitos neurais cuja função se expressa na conduta”, escreve em “Neuroeducação e leitura””.

Como afirma em “Neuroeducação e leitura”: “cada pessoa muda não só a partir do que viveu, mas também do que leu”.

Ler não é um ato passivo de absorção do que está escrito em determinado documento ou livro, mas um processo ativo, ou recreativo (‘recriar’) se se quiser, do que está descrito ali”, acrescenta.

Envolve “ativar um amplo arco cognitivo que envolve curiosidade, atenção, aprendizagem e memória, emoção, consciência e conhecimento.” E mudar.

Como escreveu o filósofo italiano Umberto Eco e que Mora gosta de citar:

Quem não lê, aos 70 anos terá vivido apenas uma vida. Quem lê, terá vivido 5.000 anos. Ler é imortalidade ao contrário”.

REFERÊNCIA:

PAIS, Ana. Por qué esta nota va a cambiar tu cerebro (y otros 3 datos sobre la neurociencia de la lectura). BBCNews Mundo, 1 nov. 2021. Tradução nossa. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-59094692. Acesso em: 1 nov. 2021.

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COMENTÁRIO de Kathy Marcondes:

É cada vez mais frequente o grito dos cientistas pelo desenvolvimento de uma economia sustentável e de uma melhor compreensão do Meio Ambiente. Eles o fazem há muitos e muitos anos; mas, parece que certos avisos têm que chegar junto com um grande sofrimento para podermos dar atenção a eles, de verdade. O texto acima me parece que alerta da mesma forma. É mais um autor gritando aos pais os malefícios do excesso de exposição às telas de suas crianças pequenas. O cérebro precisa de TEMPO de vida de qualidade! Precisa ser exposto a elementos afetivamente significativos para que a criança o desenvolva como um todo em sua máxima possibilidade!

Ler é uma atividade fundamental para mães exercerem com seus filhos. Atenção a palavra fundamental! Muito mais importante que escolher (e gastar, investir, querer resultados) escolas que “ensinem a ler rapidamente” é que essas mães se esmerem em escolher e ler bons livros junto com seus filhos!! Desde bebês e por toda a vida escolar é fundamental, enriquecedor e amplificador das inteligências operacionais e emocionais da criança esse envolvimento, de pertinho, com a leitura. Ler para uma criança é ler para si mesmo! Ter o hábito de boas leituras em casa envolve salutarmente toda a família! Ler amplia! Ler engloba! Ler gera argumentos e opiniões abertas! Ler instiga o diálogo e a hospitalidade do que ainda não conhecemos… até conhecermos… e, após isso, ampliados por isso, nos posicionarmos por isso. Ouvir a leitura na voz de uma mãe ou de um pai, de uma tia ou de um avô, é uma das mais belas lembranças de uma criança. Modificou o cérebro de todos os envolvidos e nos fez mais próximos de honrar esse maravilhoso, plástico e incansável aprendiz que trazemos entre as nossas orelhas!

Leia. E releia-se. Incentive a leitura daqueles que você mais amar, de verdade.