Autopsicografia – extrato de Fernando Pessoa

EXTRATO DE “TABACARIA”, poesia de Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 


E os que lêem o que escreve, 
Na dor lida sentem bem, 
Não as duas que ele teve, 
Mas só a que eles não têm. 


E assim nas calhas de roda 
Gira, a entreter a razão, 
Esse comboio de corda 
Que se chama o coração.

REFERÊNCIA:
PESSOA, Fernando. Autopsicografia. In: ______. Tabacaria e outros poemas. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 14.

COMENTÁRIO:

Nesta “psicografia” o outro Fernando Pessoa comenta sobre si mesmo: um “auto”r. A autoria sobre um assunto, sobre a dor, por exemplo, tão comum entre os poetas, é aqui magnificamente nomeada por Pessoa como um “fingimento”… ou seja, uma forma de apresentar e ser que carece de verdade, mas de grande utilidade estética… poética… e para o coração.

Quando acessamos uma das poesias mais conhecidas de Fernando Pessoa, escrita em 1/04/1931 e o lemos debochar do coração que ri da dor do outro… podemos imediatamente nos perguntar quantas de nossas emoções mais declaradas são, de fato, sinceras?